Ataques à Imprensa em 2010: Venezuela

Principais Acontecimentos
• Cresce a censura: RCTV novamente interditada, jornais impedidos de usar fotos de crimes.
• Novos regulamentos restringem conteúdo online, e estreitam o controle sobre licenças de radiodifusão.


Estatística em Destaque
1.300: horas de discursos presidenciais foram transmitidas entre 1999 e 2010.

Lançando mão de todas as ferramentas à disposição do poder, o presidente Hugo Chávez Frías deu continuidade à sua campanha agressiva para silenciar a imprensa crítica. Nos últimos dias do mandato da Assembleia Nacional, o governo de Chávez fez valer medidas para restringir o conteúdo divulgado na Internet e estreitar o controle sobre as licenças de radiodifusão. Contando com tribunais politizados, o governo impediu que dois jornais de grande circulação publicassem fotos da criminalidade e da violência no período que antecedeu as eleições legislativas em setembro. E, por meio de uma série de medidas regulatórias politicamente motivadas, o governo intimidou uma emissora crítica, a Globovisión, e tirou a RCTV Internacional do ar.

ATAQUES À
IMPRENSA EM 2010

Prefácio
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México
Venezuela
Ataques e fatao
em toda a região

A Comissão Nacional de Telecomunicações, julgando que a RCTV Internacional violou uma exigência de transmitir discursos presidenciais, ordenou em janeiro que operadores de cabo e satélite interrompessem a transmissão da estação. De acordo com a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, que tem sido amplamente criticada por suas amplas restrições à liberdade de expressão, todas as emissoras nacionais devem transmitir a programação do governo quando for solicitado, incluindo transmissões ao vivo dos discursos de Chávez, conhecidos como cadenas. A RCTV Internacional alegou que, por não ser uma estação nacional como a legislação define, estaria isenta dessa obrigação. Ao final do ano, a rede continuava sem frequência de cabo e satélite.

A RCTV Internacional começou a funcionar como um canal por assinatura depois que o governo retirou do ar a estação original, conhecida simplesmente como RCTV, em meados de 2007. Sendo a mais antiga emissora do país, a RCTV também foi uma das mais críticas ao governo de Chávez No caso da RCTV e de muitas outras, o CPJ revelou um processo regulatório cujas decisões são predeterminadas e politicamente motivadas. Em 2009, os órgãos reguladores retiraram do ar dezenas de estações de rádio críticas, de acordo com a pesquisa do CPJ. A ameaça de perder as licenças de radiodifusão levou outras estações de rádio e TV a abandonarem as críticas.

Chávez tem usado regularmente as cadenas para atacar os meios de comunicação privados e amplificar a voz do governo. A partir de 1999, quando assumiu o primeiro mandato, até janeiro de 2010, Chávez fez cerca de 2 mil cadenas, somando mais de 1.300 horas de transmissão, ou o equivalente a 54 dias inteiros, de acordo com uma pesquisa realizada pela AGB Nielsen. Chávez também usou o “Aló, Presidente”, um programa semanal com a participação dos ouvintes transmitido por emissoras estatais de rádio e televisão, para reprovar críticos na imprensa e na oposição. A exposição de sua imagem foi intensificada a partir de fevereiro, com o lançamento de um novo programa de rádio chamado “De repente con Chávez”. O programa, que foi ao ar pela estatal Radio Nacional da Venezuela, não tinha horário regular, mas transmitia sempre que o presidente mostrava uma súbita necessidade de falar.

Em agosto, antes das eleições legislativas, um tribunal que normalmente lida com questões juvenis proibiu a imprensa local de publicar fotos de crimes. Tudo começou em 13 de agosto, quando o jornal El Nacional, de Caracas, publicou uma foto de arquivo de cadáveres empilhados no necrotério local para ilustrar uma reportagem de capa sobre o aumento da criminalidade. Logo após Chávez ter chamado a imagem de “pornográfica”, o tribunal estabeleceu que o El Nacional não poderia publicar “imagens, informações e reportagens de quaisquer tipos contendo sangue, armas, notícias alarmantes ou agressões físicas”. Segundo a ordem judicial, tal material prejudicaria as crianças. Numa demonstração de solidariedade, o jornal oposicionista Tal Cual republicou a foto do necrotério em 16 de agosto, provocando a decretação de uma segunda e mais ampla ordem. Desta vez, o tribunal proibiu por um mês toda a imprensa venezuelana de publicar imagens de violência.

Reagindo a condenações nacional e internacional, o tribunal suspendeu a proibição imposta contra os meios de comunicação dois dias depois, permitindo ao El Nacional retomar a cobertura impressa da violência. A proibição quanto à publicação de fotos, no entanto, perdurava até o final do ano, tanto para o El Nacional quanto para o Tal Cual.

O CPJ e muitos outros disseram que o caso reflete os esforços da administração para impedir a cobertura de notícias sobre o crime, assunto que estava entre as principais preocupações do público nas semanas que antecederam as eleições de setembro. “A taxa de criminalidade tornou-se uma questão crítica para o governo”, disse Miguel Otero, editor do El Nacional. “Essas decisões foram uma maneira muito conveniente de impedir a divulgação dos crimes”. Neste caso, porém, os esforços do governo para controlar a cobertura da imprensa tiveram o efeito contrário: a imprensa cobriu o problema da criminalidade com maior ênfase depois da decisão judicial, disse Ewald Scharfenberg, diretor-executivo do IPYS Venezuela, um grupo de imprensa local. O Partido Socialista Unido da Venezuela, de Chávez, elegeu a maioria dos parlamentares nas eleições legislativas, mas perdeu a maioria absoluta de dois terços que permitiria uma rápida aprovação das suas medidas.

Antecipando uma Assembleia Nacional menos complacente em 2011, o governo forçou a aprovação de um conjunto de medidas repressivas em dezembro, durante uma sessão em dezembro às vésperas do fim do mandato da assembleia. Sem grandes debates, foram adotadas medidas que estenderam a restritiva lei de responsabilidade social, até então voltada para o rádio e a televisão, à Internet; concederam maior controle dos órgãos reguladores no tocante ao licenciamento de radiodifusão; e proibiram grupos de defesa da liberdade de imprensa e outras organizações não-governamentais de receberem apoio internacional. Defensores da liberdade de imprensa criticaram as mudanças, que proíbem a imprensa online de publicar materiais que “fomentem a ansiedade dos cidadãos”, “perturbem a ordem pública” ou “desrespeitem a autoridade”. As licenças de radiodifusão foram reduzidas de 20 para 15 anos, e os órgãos reguladores ganharam poder de revogar quaisquer licenças com base em uma única violação. A assembleia também deu a Chávez poderes para governar por decreto durante 18 meses.

Dois jornalistas críticos foram alvos de processos criminais. Em junho, um tribunal no Estado de Carabobo multou Francisco Pérez, colunista do jornal El Carabobeño, em 94 mil bolívares (21 mil dólares norte-americanos) por difamação. Ele também foi impedido de trabalhar como jornalista durante três anos e nove meses, segundo noticiou o El Carabobeño. As acusações se basearam em colunas de Pérez escritas em 2009, onde ele acusava o prefeito de Valencia, Edgardo Parra, de nomear parentes para cargos políticos. Em novembro, um Tribunal de Apelações revogou a condenação.

O jornalista Gustavo Azócar, um implacável crítico do governo, foi considerado culpado de fraude em março, por negociar um contrato de publicidade, em 2000, entre a loteria estatal e a Radio Noticias 1060, uma estação privada da qual o jornalista era funcionário na época, segundo relatos da imprensa. O juiz José Hernán Oliveira impôs uma pena de prisão de dois anos e meio, mas deixou Azócar em liberdade condicional (o jornalista estava sob prisão preventiva desde julho de 2009). As investigações do CPJ revelaram que a ação penal contra Azócar foi forjada em represália a seus artigos críticos. Azócar, que toma parte ativamente no movimento de oposição da Venezuela, foi eleito deputado em setembro. Ele também recorreu da sentença.

Guillermo Zuloaga, presidente da rede de televisão privada Globovisión, foi preso no final de março após ser acusado de espalhar notícias falsas e de ofender Chávez em comentários feitos durante uma reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa, associação regional de editores. Zuloaga foi libertado poucas horas depois, num desdobramento condenado por Chávez. Em 11 de junho, as autoridades emitiram um mandado de prisão contra Zuloaga e seu filho, acusados de conspiração e de empréstimos ilegais. Zuloaga, dono de várias concessionárias de veículos, negou as irregularidades e afirmou que as acusações foram fabricadas com o intuito de fechar a emissora. Ele fugiu para os Estados Unidos e pediu asilo político.

Os órgãos reguladores continuaram perseguindo a Globovisión, abrindo vários inquéritos administrativos que acusavam a rede de “incitação à rebelião” e de criar “pânico e ansiedade na população”. Bastaria uma sanção em qualquer um dos casos para levar a emissora a ser suspensa por até 72 horas; uma segunda sanção poderia resultar na revogação da licença de transmissão. A Globovisión foi alvo de atentado em agosto de 2009, quando um grupo de motociclistas armados invadiu os escritórios em Caracas e lançou bombas de gás lacrimogêneo, ferindo um policial e dois funcionários.

Em dezembro, o governo de Chávez anunciou a aquisição de 20% das ações da Globovisión. A compra foi parte de uma intervenção do Estado no Banco Federal, cujo proprietário era acionista minoritário da emissora. O relator especial da OEA sobre a liberdade de expressão pediu à Venezuela que garantisse que a Globovisión pudesse noticiar sem a interferência do governo. O governo disse que tinha o direito de indicar um membro para o conselho de diretores da Globovisión.

As autoridades deram um passo importante no combate à impunidade na violência contra a imprensa. Em agosto, as autoridades colombianas, executando um mandado venezuelano, prenderam o empresário Walid Makled García na cidade fronteiriça de Cúcuta, segundo notícias da imprensa. As autoridades venezuelanas acusaram Makled de tramar, em 2009, o assassinato de Orel Sambrano, diretor da Rádio América e do semanário ABC de la Semana, em represália à cobertura noticiosa que ligava o irmão do empresário a traficantes. Makled negou qualquer conexão com o assassinato em uma carta aos meios de comunicação venezuelanos. Em novembro, o presidente colombiano Juan Manuel Santos anunciou que Makled seria extraditado para a Venezuela, em um processo que pode levar meses. Em maio, um tribunal no estado de Carabobo condenou um ex-sargento da polícia a 25 anos de prisão por conspiração para o assassinato de Sambrano, de acordo com relatos na imprensa.

Em novembro, o CPJ premiou o jornalista, escritor, ator e humorista Laureano Márquez com o Prêmio Internacional à Liberdade de Imprensa. Márquez, conhecido por seus artigos contundentes no jornal Tal Cual de Caracas e em outras publicações nacionais, é também o autor de três livros de humor, incluindo o best-seller nacional Código Bochinche, publicado em 2004. Em janeiro, Márquez escreveu um artigo opinativo no Tal Cual no qual imaginava a Venezuela liberta da opressão política de um governante chamado “Esteban”, uma referência velada a Chávez. A Ministra da Informação Blanca Eekhout exigiu que o jornalista fosse processado criminalmente, descrevendo a coluna como um ataque à democracia no país, mas nenhum processo foi aberto.

“Uma nova forma de autoritarismo está tomando conta do mundo, forma esta que utiliza métodos democráticos para acabar com a democracia”, disse Márquez ao aceitar o prêmio do CPJ. “Em tais modelos, os que estão no poder querem que as pessoas tenham medo de expressar opiniões divergentes. No meio deste silêncio, os governos tentam desmantelar as instituições democráticas. A experiência venezuelana mostra que é essencial a conscientização de todos os cidadãos quanto à importância da liberdade de expressão e que, além disso, ela não diz respeito apenas a jornalistas e trabalhadores da imprensa, mas a todos os cidadãos”.