Ataques à Imprensa em 2010: Brasil

Principais Acontecimentos
• Censura judicial excessiva; decisão proíbe jornal de cobrir denúncias de corrupção.
• Condenações por assassinato de jornalista constituem avanço na luta contra a impunidade.


Estatística em Destaque
398: solicitações de remoção de conteúdos online foram feitas ao Google por autoridades brasileiras nos seis primeiros meses de 2010.

Dando continuidade a uma tendência de censura imposta por tribunais, juízes de primeiras instâncias proibiram dezenas de meios de comunicação de cobrirem alguns dos mais importantes temas da atualidade, incluindo questões envolvendo as eleições gerais de outubro, administração e integridade públicas. O jornal de circulação nacional O Estado de S. Paulo enfrentou, durante o ano, uma ordem de censura que impediu o jornal e seu site na Internet de divulgarem reportagens sobre as investigações de corrupção envolvendo a família do presidente do Senado, José Sarney. Um repórter foi assassinado em represália por seu trabalho, enquanto outros jornalistas e profissionais de meios de comunicação que atuam fora dos grandes centros urbanos sofreram ataques enquanto cobriam temas políticos e relacionados à corrupção.

ATAQUES À
IMPRENSA EM 2010

Prefácio
Introdução
Análise Internet
Análise Américas
Argentina
Brasil
Colômbia
Cuba
Estados Unidos
Equador
Haiti
Honduras
México
Venezuela
Ataques e fatao
em toda a região

Tribunais regionais proibiram a imprensa de divulgar um amplo leque de importantes assuntos públicos, conforme demonstra a pesquisa do CPJ. Em maio, um tribunal civil do Estado de São Paulo ordenou que o jornal Diário do Grande ABC interrompesse a publicação de matérias sobre a suposta má administração de suprimentos para escolas públicas, depois que o prefeito de São Bernardo do Campo afirmou que o jornal estava prejudicando a sua reputação. Em setembro, um tribunal eleitoral do Estado do Mato Grosso proibiu o grupo Gazeta Comunicação de publicar matérias sobre a posição do deputado Carlos Abicalil sobre o aborto. As notícias citavam que o congressista apoiou a lei que propunha a descriminalização do aborto, afirmação negada por ele. No mesmo mês, um tribunal eleitoral do Estado de Tocantins proibiu 84 meios de comunicação, incluindo O Estado de S. Paulo, de publicar matérias sobre uma investigação criminal envolvendo o governador Carlos Gaguim. Um tribunal superior derrubou a decisão no Tocantins, mas muitas ordens de censura continuaram em vigor.

Ao longo dos últimos anos, empresários, políticos e funcionários públicos entraram com centenas de ações judiciais alegando que as críticas dos jornalistas eram ofensivas à honra ou invadiam sua privacidade, segundo pesquisa do CPJ. Os demandantes destes casos normalmente buscam sanções que proíbam a imprensa de publicar qualquer matéria sobre eles ou que obriguem a retirada de material online considerado ofensivo. Um relatório elaborado pelo Google em 2010 afirmou que as autoridades brasileiras solicitaram a remoção de conteúdos dos servidores da empresa em 398 ocasiões nos primeiros seis meses do ano, número duas vezes maior que o do segundo país listado, a Líbia. A maioria das solicitações brasileiras foi feita através de recursos judiciais, afirmou o Google. O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas documentou 21 casos de censura judicial nas semanas anteriores às eleições presidenciais do dia 3 de outubro. O estudo mostrou que a censura vem sendo imposta a jornais, emissoras de rádio e de televisão, sites noticiosos e blogs. Diversos meios de comunicação do país foram multados, obrigados a retirar o conteúdo, proibidos de divulgar informações específicas e processados por candidatos e partidos políticos, segundo a análise do Centro Knight.

Um dos mais proeminentes episódios de censura foi o que proibiu o jornal O Estado de S. Paulo e seus sites na Internet de publicarem reportagens sobre um suposto caso de nepotismo e corrupção envolvendo Fernando Sarney, filho de José Sarney, presidente do Senado e ex-presidente da República. A proibição foi imposta pela primeira vez em julho de 2009 após o jornal – citando fitas transcritas que vazaram de uma investigação federal – ter implicado a família Sarney no uso de sua influência para conceder empregos e aumentar salários de amigos e parentes. O juiz Dácio Vieira impediu a continuidade da cobertura feita pelo O Estado de S. Paulo e estipulou que o jornal seria multado em R$ 150.000 por cada matéria publicada sobre o caso. O Supremo Tribunal Federal, máxima instância judicial do país, deve julgar a apelação do jornal em 2011. O jornal argumenta que a proibição é inconstitucional.

O Supremo Tribunal Federal geralmente apoia a liberdade de imprensa em suas sentenças, incluindo a decisão de setembro de 2010 que derrubou a proibição de utilizar “trucagem, montagem ou outros recursos de áudio e de vídeo para degradar ou ridicularizar um candidato, partido ou coligação” que pesava contra os meios audiovisuais. A lei de 1997 estabelecia multas de até 60 mil dólares norte-americanos para os meios de comunicação que zombassem de políticos, uma proibição destinada a impedir que humoristas e comediantes satirizassem candidatos durante as eleições. Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, vice-presidente do tribunal, disse que apenas um estado de emergência poderia justificar tais limites à liberdade de expressão.

Dilma Rousseff, economista e ex-chefe da Casa Civil do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, derrotou o ex-governador de São Paulo, José Serra, no segundo turno da eleição presidencial, em 31 de outubro. Rousseff manteve uma relação controversa com a imprensa durante a inflamada campanha política; o próprio Lula acusou a imprensa de agir de forma tendenciosa contra a sua candidata. Em um discurso realizado logo após a vitória, Rousseff assegurou que seu governo garantiria a liberdade de expressão no Brasil, embora não tenha sido mais específica. Lula, cujos índices de aprovação nas pesquisas de opinião permaneceram extremamente elevados, encerrou seus oito anos de mandato com um histórico contraditório em relação à liberdade de imprensa. Houve êxito em diversas investigações sobre assassinatos de jornalistas, o que representa um grande avanço na campanha do país contra a impunidade. Porém, a censura judicial tem se tornado um grave problema, inibindo seriamente a capacidade da imprensa de informar sobre questões de interesse público. Os jornalistas continuam sendo assassinados no interior do país, onde a presença do Estado é frágil, enquanto a cobertura jornalística do crime organizado expõe os profissionais a sérios riscos, mesmo nas áreas urbanas.

Jornalistas do interior estão vulneráveis a ataques por suas reportagens sobre políticos e corrupção. Francisco Gomes de Medeiros, diretor de jornalismo da Rádio Caicó, foi assassinado a tiros no dia 18 de outubro, na cidade de Caicó, no Estado do Rio Grande do Norte. Um dia depois, a polícia prendeu um suspeito identificado como João Francisco dos Santos e disse que ele confessou ter matado Gomes em represália pela cobertura realizada pelo jornalista, em 2007, de sua condenação por roubo à mão armada. No entanto, um promotor estadual declarou à imprensa local acreditar que Santos fosse, na verdade, um assassino de aluguel. Em dezembro, investigadores acusaram Valdir Souza do Nascimento, que cumpre pena de prisão por tráfico de drogas, de ter contratado Santos. Reportagens, citando declarações dos investigadores, informaram que o trabalho jornalístico de Medeiros havia dificultado as atividades criminosas que Nascimento comandava de dentro da prisão.

Em maio, três agressores encapuzados sequestraram e torturaram Gilvan Luiz Pereira, editor do Sem Nome, um semanário conhecido por sua cobertura crítica do governo de Juazeiro do Norte, Estado do Ceará, segundo as informações da imprensa. A polícia interceptou o carro dos seqüestradores nos arredores da cidade, levando à fuga dos criminosos e permitindo que o jornalista fosse resgatado, de acordo com o site de notícias Portal Imprensa. Pereira disse ao CPJ que ficou hospitalizado por quatro dias e precisou levar 42 pontos em um ferimento na cabeça. A polícia estadual acusou dois guarda-costas do prefeito pelo sequestro e tortura do jornalista. O caso continuava pendente até o final do ano.

Em um importante passo no combate à impunidade nos casos de assassinato de jornalistas, promotores obtiveram condenações pela morte, em 2007, do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho. Em março, um tribunal de São Paulo condenou dois policiais militares e um empresário a 18 anos e quatro meses de prisão cada um, com base nas acusações de homicídio qualificado e formação de quadrilha, segundo as informações da imprensa. Um terceiro policial foi sentenciado a 16 anos e quatro meses de prisão por homicídio qualificado. Criminosos encapuzados atiraram à queima-roupa contra Barbon Filho, de 37 anos, quando ele estava sentado em um bar no sul da cidade de Porto Ferreira. O jornalista havia chamado a atenção, em 2003, com uma reportagem sobre uma rede local de prostituição infantil. A matéria, publicada no jornal de propriedade de Barbon, Realidade, resultou na condenação de 10 pessoas.

Em novembro, a polícia do Rio de Janeiro prendeu o chefe do tráfico de drogas e fugitivo Eliseo Felicio de Souza durante uma incursão policial no Complexo do Alemão, segundo reportagens da imprensa. Souza, um dos sete homens condenados pelo assassinato em 2002 do repórter Tim Lopes, da TV Globo, havia escapado da prisão em 2007, na metade de sua sentença de 23 anos de reclusão.

O governo apresentou uma proposta de lei para regular a Internet, causando preocupações entre blogueiros e defensores da liberdade de imprensa. O texto inicial para um novo “Marco Civil da Internet no Brasil” restringiria seriamente a cobertura informativa online, de acordo com especialistas em Internet. Em uma das seções mais controversas do projeto, provedores de Internet seriam responsabilizados pelos conteúdos de seus usuários se não o retirassem imediatamente após serem notificados sobre a reclamação de uma terceira parte. Danny O’Brien, coordenador de campanhas na Internet do CPJ, é um dos muitos críticos nacionais e internacionais da medida. O Ministro da Justiça revisou a cláusula em resposta às críticas, tornando os provedores responsáveis apenas se eles não cumprirem uma ordem judicial direta para a remoção do conteúdo. O projeto de lei estava sendo preparado para apresentação ao Congresso no final do ano.