Ataques à Imprensa em 2010: México

Principais Acontecimentos
• Em meio à violência desenfreada, Calderón apoia a federalização de crimes contra a liberdade de expressão.
• Mais de 30 jornalistas assassinados ou desaparecidos desde o início do mandato de Calderón.


Estatística em Destaque
4: jornalistas seqüestrados em Durango por criminosos que exigem que emissoras de televisão transmitam sua propaganda.

Grupos do crime organizado exerceram grande pressão sobre a imprensa mexicana conforme espalharam seu controle por vastas regiões do país e a praticamente toda esfera da sociedade. A autocensura que se generalizou entre os meios de comunicação em áreas dominadas por traficantes de drogas foi uma devastadora conseqüência da violência e da intimidação. Dez jornalistas foram mortos, ao menos três deles em relação direta com seu trabalho, e três outros repórteres desapareceram. Além disso, jornalistas foram agredidos, seqüestrados e forçados ao exílio, enquanto meios de comunicação foram alvo de ataques a bombas, tornando o México um dos lugares mais letais do mundo para a imprensa. Depois de encontrar-se com uma delegação do CPJ, o presidente Felipe Calderón Hinojosa comprometeu-se a impulsionar uma legislação que torne os ataques à liberdade de expressão um crime federal, e anunciou o lançamento de um programa de segurança para jornalistas em situação de risco iminente.

ATAQUES À
IMPRENSA EM 2010

Prefácio
Introdução
Análise Internet
Análise Américas
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Cuba
Estados Unidos
Equador
Haiti
Honduras
México
Venezuela
Ataques e fatao
em toda a região

As atividades de grupos criminosos ganharam ainda mais atenção pública com o deslocamento da guerra entre cartéis para estados como Nuevo León, Nayarit, Durango e Tamaulipas. Desde que o presidente Calderón lançou uma ofensiva militar maciça contra os poderosos cartéis de drogas depois que assumiu o cargo, em dezembro de 2006, quase 30 mil pessoas morreram em crimes ligados ao narcotráfico, declarou a Procuradoria Geral da República (PGR).

Um dos piores locais foi Ciudad Juárez, uma grande cidade na fronteira com o Texas, lugar que a administração federal se comprometeu a tornar um exemplo de como o país seria recuperado. Apesar da mobilização de 10 mil soldados e policiais federais, o governo não conseguiu retirar o controle da cidade das mãos dos grupos do crime organizado. Um editorial de setembro no principal jornal local, o El Diario, que perdeu dois jornalistas para a violência do narcotráfico desde 2008, colocou a situação em termos gritantes quando se dirigiu aos dois cartéis na cidade: “Vocês são, neste momento, as autoridades de fato”. Sendo assim, o editorial perguntou: o que os cartéis permitirão que os jornais publiquem? O editorial foi publicado um dia após o fotógrafo do El Diario Luis Carlos Santiago, 21 anos, ter sido morto a tiros em um estacionamento de um centro comercial. O governo federal não respondeu à acusação do editorial de que os cartéis controlavam a cidade, declarando, ao contrário, que o jornal tinha sido irresponsável em sua colocação.

Além da matança contínua que atraiu a atenção internacional para Ciudad Juárez, intensos tiroteios entre cartéis se arrastaram por meses nas cidades ao leste, no estado de Tamaulipas, também na fronteira com o Texas. Porém, os cartéis ordenaram que nenhum dos tiroteios fosse noticiado pela imprensa local – e de fato não foi, apesar do perigo de civis serem pegos no fogo cruzado. Mas esse foi apenas um efeito do controle sobre a imprensa. Muitos repórteres na maior cidade do estado, Reynosa, disseram ao CPJ que o crime organizado de fato tomou conta da polícia e de várias funções municipais, mas eles não se atreveram a noticiar e o público não soube que as autoridades haviam perdido o controle da cidade. Ao contrário de Ciudad Juárez, com sua terrível taxa de homicídios, a maior parte do estado de Tamaulipas havia permanecido bastante calma até 2010, quando eclodiu a guerra entre cartéis rivais.

Em setembro, o CPJ publicou um relatório especial, Silêncio ou Morte na Imprensa Mexicana, que revelou como a violência e a corrupção vinculadas ao tráfico de drogas devastaram os meios de comunicação e privaram os cidadãos dos seus direitos à liberdade de expressão e ao acesso à informação. O relatório descreveu como o medo e a autocensura destruíram a capacidade da imprensa de noticiar livremente os fatos, enquanto advertia que o futuro da democracia mexicana estava em risco.

O CPJ apurou que mais de 30 jornalistas foram mortos ou desapareceram no México desde o início da gestão de Calderón, em dezembro de 2006, número que rivaliza com países afetados pela guerra, como Iraque e Somália. Esses crimes permaneceram quase totalmente sem resolução, não apenas como resultado de negligência e incompetência, mas também da corrupção generalizada entre membros das forças de segurança, principalmente em nível estatal. O informe revelou que alguns jornalistas também se tornaram instrumentos dos grupos criminosos ao aceitarem dinheiro para escrever propaganda dos cartéis. Tal fato se deve a um sistema de justiça fraco, corrupto e sobrecarregado que não investiga crimes contra jornalistas, incentivando assim novos delitos. O relatório concluiu que a crise nacional demanda uma resposta enérgica por parte do governo federal.

Duas semanas após a publicação do informe, uma delegação conjunta do CPJ e da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, sigla em espanhol) reuniu-se com o presidente mexicano. Depois de uma discussão que se estendeu por 90 minutos, Calderón comprometeu-se a pressionar por uma legislação que federalize os crimes contra jornalistas e a estabelecer a responsabilização aos níveis mais elevados do governo nacional. Apontando o direito à liberdade de expressão como uma prioridade de sua administração, o presidente declarou que as autoridades federais implementariam um programa para garantir a segurança de jornalistas em risco, inspirado em um esforço bem sucedido na Colômbia. Ele disse que as forças federais estavam trabalhando para melhorar o treinamento em direitos humanos, e garantiu receptividade às preocupações de jornalistas em relação a violações dos direitos humanos por parte de oficiais de justiça.

Há muito tempo o CPJ e a SIP têm recomendado uma maior intervenção federal para lidar com a crise. A reunião, que ocorreu no escritório presidencial em Los Pinos, incluiu o procurador-geral Arturo Chávez Chávez e o Ministro do Interior José Francisco Blake Mora. A delegação do CPJ foi liderada pelo diretor-executivo Joel Simon e incluiu os membros do conselho María Teresa Ronderos, o coordenador sênior do programa das Américas Carlos Lauría e o representante do México Mike O’Connor. A delegação da SIP, comandada pelo vice-presidente Gonzalo Marroquín, incluiu o diretor-executivo Julio Muñoz e o diretor do Instituto de Imprensa Ricardo Trotti.

Calderón também anunciou a prisão de um suspeito no assassinato, em 2008, do conhecido jornalista de Ciudad Juárez Armando Rodríguez Carreón. Veteranos repórter policial do El Diario, Rodríguez foi baleado na frente de sua filha em novembro de 2008. Desde então, o inquérito está parado e seu jornal tem feito intensas campanhas por justiça. O procurador-geral Chávez declarou que o suspeito e seus cúmplices foram motivados pela cobertura do tráfico de drogas feita por Rodríguez. Porém, um dia depois do pronunciamento do presidente, o El Diario noticiou que o suspeito, Juan Soto Arias, havia sido torturado e coagido a confessar o assassinato do jornalista. As autoridades mexicanas não comentaram a notícia do El Diario, que foi baseada em fontes anônimas.

No fim do ano, a administração avançou em suas amplas promessas de proteção à imprensa. Em novembro, o Ministério do Interior anunciou detalhes de um programa para oferecer uma série de medidas de segurança a jornalistas em risco, incluindo guarda-costas, carros blindados e assistência para realocação. No entanto, alguns jornalistas e grupos de imprensa ficaram insatisfeitos com o anúncio, alegando que o plano foi inteiramente concebido por oficiais do governo, sem entendimento suficiente do que envolve o jornalismo na linha de frente. O governo, declararam os jornalistas, terá que superar a profunda desconfiança existente na imprensa enquanto segue adiante com a implementação do programa de proteção. Em outubro, o Comitê de Justiça da Câmara de Deputados apoiou uma emenda constitucional para dar às autoridades federais ampla jurisdição para investigar e julgar crimes contra a livre expressão. A proposta, similar ao plano de 2008 que acabou abandonado, foi transferida para o plenário da Câmara para votação.

No início do ano, o governo federal tomou outras medidas para combater a impunidade. Em julho, o escritório do promotor federal especial para crimes contra jornalistas recebeu ampla autoridade e novas responsabilidades. Sob o novo mandato, o promotor se reportará diretamente ao procurador-geral e será responsável por investigar crimes contra a liberdade de expressão. A administração também nomeou Gustavo Salas Chávez, ex-promotor da Cidade do México, como promotor especial, substituindo Octavio Orellana Wiarco, cujo mandato foi marcado pela ausência de progressos na resolução de casos de violência contra a imprensa. A pesquisa feita pelo CPJ mostra que o escritório é potencialmente importante porque pode assumir casos deixados de lado por agentes públicos estaduais.

Em meio a uma guerra entre o cartel do Golfo e o grupo criminoso Los Zetas na cidade de Reynosa, os repórteres Miguel Angel Domínguez, Pedro Argüello e David Silva, todos do grupo do jornal El Mañana, desapareceram no início de março. Silva reapareceu meses depois, de acordo com relatos de diversos jornalistas, apesar das circunstâncias de seu desaparecimento permanecerem desconhecidas. Os outros jornalistas continuavam desaparecidos no final do ano. Ramón Ángeles Zalpa, jornalista do Cambio de Michoacán, no estado de Michoacán, foi dado como desaparecido em 6 de abril. Seu filho disse ao CPJ que ele saiu para trabalhar rumo à universidade local, onde era professor, mas nunca voltou. Outra jornalista do mesmo veículo, María Esther Casimbe, desapareceu em novembro de 2009.

Traficantes de drogas adotaram estratégias novas e sem precedentes em sua batalha para controlar a informação e influenciar a cobertura da imprensa. Durante anos, eles impuseram a censura às organizações noticiosas, subornaram ou ameaçaram repórteres individualmente para que escrevessem artigos favoráveis a eles, e, em alguns casos, ameaçaram os meios de comunicação para que apresentassem informações tendenciosas. Mas, em 2010, eles foram além: forçaram a imprensa a divulgar ao público pura propaganda.

Depois de seqüestrar quatro jornalistas no estado de Durango, traficantes de drogas disseram que os homens seriam libertados apenas caso determinados vídeos fossem levados ao ar pela emissora de televisão local de propriedade da Televisa e por uma afiliada da Milenio. Os vídeos, que as emissoras concordaram em transmitir, pareciam conter confissões de pessoas em cativeiro acusando traficantes rivais de corromper a polícia e funcionários locais. Dois reféns foram libertados. O governo disse que a polícia federal resgatou os outros, mas um deles declarou que os traficantes simplesmente permitiram que eles fugissem, gerando especulações de que o resgate teria sido forjado. A pesquisa do CPJ apurou que esse foi o primeiro caso documentado no México no qual jornalistas foram feitos reféns para forçar os meios de comunicação a divulgar propaganda de um grupo criminoso. Em setembro, um dos repórteres seqüestrados, o cinegrafista da Televisa Alejandro Hernández Pacheco, requereu asilo político aos Estados Unidos. Disse que se sentia vulnerável no México, particularmente depois que oficiais apresentaram os seqüestrados em uma entrevista coletiva e declararam que o cartel de drogas de Sinaloa era responsável pelo crime.

Também em setembro, um juiz em El Paso, Texas, concedeu asilo político ao jornalista mexicano Jorge Luis Aguirre, editor do site de notícias La Polaka. Aguirre deixou Ciudad Juárez em novembro de 2008, depois de receber uma ameaça de morte no mesmo dia em que o repórter policial local Armando Rodríguez Carreón foi assassinado. Foi a primeira vez em anos recentes que os Estados Unidos concederam asilo político a um repórter, explicaram os informes da imprensa nacional e internacional, um reconhecimento tácito de que o México tornou-se um local extremamente perigoso para a imprensa.

O governo canadense concedeu asilo político em junho a Luis Horacio Nájera, ex-correspondente do Grupo Reforma em Ciudad Juárez. Nájera e sua família se mudaram para Vancouver depois de receber ameaças de morte em 2008 de traficantes de drogas, militares e policiais. “As ameaças vieram de todos os lados”, Nájera escreveu em um artigo na primeira pessoa publicado como parte do relatório especial do CPJ, Silêncio ou Morte na Imprensa Méxicana. “No fogo cruzado, eu não tinha a quem recorrer por ajuda. Após testemunhar o clima crescente de violência e impunidade, eu não podia confiar no governo e não podia simplesmente me deixar ser morto em algum beco”.

Em Ciudad Victoria, capital do estado de Tamaulipas, o grupo criminoso Zetas formou um braço de relações públicas que enviava por e-mail comunicados à imprensa, com fotos, para jornais locais, que publicavam a propaganda por medo, de acordo com jornalistas locais. Os comunicados eram publicados como “matérias jornalísticas” que abordavam o exército de maneira crítica. Outros comunicados elogiavam a polícia local, que, segundo alguns jornalistas, atuava em conjunto com o cartel.

Em regiões onde os traficantes de drogas disputam o controle territorial, os meios de comunicação foram alvos de atentados à bomba. No fim de agosto, um carro-bomba explodiu na sede da Televisa em Ciudad Victoria. De acordo com a emissora, ninguém ficou ferido, mas sua transmissão ficou suspensa por diversas horas e houve danos aos prédios vizinhos. Segundo informações da imprensa, no início daquele mês uma granada foi lançada nas instalações da Televisa em Monterrey, no norte do México, enquanto indivíduos não identificados jogaram um explosivo caseiro nos escritórios da Televisa em Matamoros, no estado de Tamaulipas. Não houve feridos.

Jornalistas relataram diversos episódios de assédio e agressão por parte de policiais federais e militares, que em inúmeras ocasiões insistiram que suas ações não deviam ser noticiadas. Repórteres e fotógrafos nos estados de Michoacán, Sinaloa e Chihuahua, onde o exército foi amplamente utilizado, disseram ter sofrido diversas ameaças por soldados durante coberturas. Segundo eles, às vezes soldados os detiveram os espancaram, e causaram danos aos seus equipamentos ou apagaram fotografias. As declarações do exército frequentemente atribuíam tal comportamento a novos recrutas, ainda não treinados da maneira adequada. Ainda assim, de acordo com notícias publicadas na imprensa, pelo menos cinco jornalistas declararam ter sido detidos e agredidos por membros da guarda militar pessoal do presidente Calderón no lado de fora do hotel onde o presidente daria uma declaração em Ciudad Juárez, em fevereiro. Na reunião com o presidente em setembro, a delegação CPJ/SIP expressou preocupação que membros das forças de segurança e da polícia federal estivessem envolvidos em abusos contra a imprensa.

Em maio, um operador de câmera de vídeo, um fotógrafo e um motorista da revista de notícias online Reporte Indigo foram detidos enquanto trabalhavam na frente da casa de Genaro García Luna, chefe da Secretaria Nacional de Segurança Pública. A revista estava publicando uma série de reportagens questionando como García possuía recursos para adquir a casa. Os três jornalistas ficaram presos por 20 horas e depois foram liberados sem acusações, de acordo com o Centro para Jornalismo e Ética Pública, um grupo mexicano de defesa da liberdade de imprensa. Em uma carta enviada em junho ao presidente Calderón, o CPJ instou o governo a desenvolver novos procedimentos e treinamentos para garantir que soldados e policiais federais não obstruíssem o trabalho da imprensa.

Em fevereiro, o único acusado do assassinato do jornalista freelance norte-americano Bradley Will foi inocentado por um juiz. Will foi morto em 2006 enquanto cobria protestos no estado sulista de Oaxaca. O homem, Juan Manuel Martinez, foi apontado como bode expiatório pela família de Will e por grupos de direitos humanos, que indicaram pistoleiros que trabalhavam para o governador do estado como os supostos responsáveis pelo assassinato.