• Kirchner acusa dois jornais de conspiração com a ditadura militar em 1976.
• Legislação restringiria a propriedade de fábricas de papel-jornal pelos meios de comunicação.
Estatística em Destaque
400: páginas de um relatório governamental acusam os grupos de comunicação Clarín e La Nación de conspiração com ditadores.
A administração da presidente Cristina Fernández de Kirchner acusou os principais executivos dos dois maiores jornais do país, Clarín e La Nación, de conspirarem com o antigo regime militar para cometer crimes contra a humanidade, denúncias que aumentaram dramaticamente a tensão existente entre o governo e a mídia. Em uma reivindicação tão controversa quanto agressiva, Kirchner solicitou aos tribunais que determinassem se houve conspiração dos jornais com a ditadura para forçar a venda de uma fornecedora de papel-jornal em 1976. O conflito aprofundou as diferenças existentes dentro da própria imprensa, com jornalistas tomando partido em relação às políticas e táticas do governo. Programas de entrevistas sobre política nos meios de comunicação estatal reprovaram as críticas feitas ao governo pela mídia. Segundo analistas, o espaço para um jornalismo ponderado e imparcial reduziu-se significativamente.
ATAQUES À
IMPRENSA EM 2010
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Ataques e fatao
em toda a região
Muitos analistas acreditavam que o governo estava tentando prejudicar financeiramente as duas empresas e minimizar sua influência, particularmente a do Clarín, com o qual tem tido embates freqüentes nos últimos anos. “Desde que a luta aberta Kirchner-Clarín eclodiu, o governo vem tomando ações evidentes para prejudicar os negócios do Clarín“, escreveu Silvio Waisbord, professor associado de mídia e assuntos públicos da Universidade George Washington, em um artigo para o Columbia Journalism Review.
O conflito foi desencadeado em agosto, quando a presidente Kirchner apresentou os resultados de uma investigação oficial sobre a história e as atividades econômicas da indústria de papel para imprensa Papel Prensa. O relatório governamental de 400 páginas, intitulado “Papel Prensa: a Verdade”, alega que os dois jornais conspiraram com os ditadores militares para obter o controle da Papel Prensa, para em seguida usar sua influência como proprietários da indústria para tirar outras publicações do negócio. Em um pronunciamento transmitido em rede nacional de televisão, Kirchner disse que a família Graiver, que era a proprietária da indústria de papel, fez o acordo sob coação da junta militar. David Graiver, um financista com estreitas ligações com o grupo guerrilheiro Montoneros, morreu em um misterioso acidente aéreo pouco antes da venda da empresa. Sua esposa, Lidia Papaleo, foi mais tarde torturada pela ditadura.
Em 2010, a Papel Prensa fornecia papel para 170 jornais em todo o país, 75% do mercado doméstico. O Grupo Clarín possuía 49% do capital da empresa; La Nación, 22,%; e o governo, 27,5%. O Clarín e o La Nación negaram qualquer ilegalidade na compra da empresa e acusaram o governo de tentar minar seus negócios por causa de estreitos objetivos políticos. Em uma declaração conjunta, eles descreveram os atos do governo como um ataque contra a liberdade de imprensa em si, posição apoiada pela Associação Interamericana de Imprensa, um grupo regional de editores. Eles também questionaram a escolha do momento para a acusação: “Nunca, em 27 anos de democracia, a Papel Prensa enfrentou qualquer questionamento administrativo ou gerencial acerca de sua origem”. Eles disseram que a perseguição foi uma tentativa do governo de reescrever a história “como uma forma de perseguição e retaliação”. Alegam que a família Graiver vendeu a Papel Prensa por razões econômicas e não sob pressão dos militares. Um dia depois do pronunciamento de Kirchner, ambos os jornais publicaram, em página inteira, uma matéria de Isidoro Graiver, um dos membros da família que negociou a venda, dizendo que a transação foi realizada sem qualquer pressão.
Críticos também questionaram a imparcialidade do relatório, ressaltando que ele foi produzido por Guillermo Moreno, Secretário do Interior, que tem tido uma relação profundamente antagonista com os jornais. Em agosto, Moreno apareceu em uma reunião do conselho de diretores da Papel Prensa usando luvas de boxe.
Após submeter o relatório ao judiciário para uma investigação detalhada, Kirchner disse que os tribunais deveriam julgar a validade da venda e se os proprietários dos jornais deveriam ser acusados de crimes contra a humanidade. O governo, segundo especialistas em direito, busca associar as empresas às acusações de violações de direitos humanos porque qualquer outra alegação poderia ser desconsiderada devido aos prazos de prescrição. A investigação foi assumida pelo juiz federal Arnaldo Corazza, que está conduzindo atualmente um inquérito sobre os crimes cometidos pela ditadura militar, segundo reportagens publicadas. O juiz não havia feito qualquer comentário sobre o caso até o final do ano.
As acusações relacionadas com a Papel Prensa aprofundaram as divisões existentes na já polarizada imprensa argentina. Enquanto reportagens do Clarín e do La Nación afirmavam que Kirchner está engajada numa campanha para silenciar os críticos, jornalistas simpáticos ao governo diziam que a investigação sobre a Papel Prensa foi necessária para estabelecer o papel dos meios de comunicação durante a ditadura. Um grupo de intelectuais alinhados ao governo argumentou que, tanto o La Nación quanto o Clarín silenciaram acerca dos crimes cometidos contra opositores durante o período militar. “O mundo do jornalismo argentino está dividido entre jornalistas K (favoráveis a Kirchner) e jornalistas anti-K”, escreveu Waisbord para o Columbia Journalism Review. “Em virtude disso, o espaço para o jornalismo ponderado, distanciado, equânime, e até mesmo preciso, reduziu-se bastante”.
Em outubro, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que declarava a oferta de papel- jornal como tema de interesse público, sujeito à regulação governamental. Kirchner disse que a regulação da produção, distribuição e venda do papel permitirá garantir o acesso igualitário, preços justos e distribuição para todos os jornais do país. A lei estabelece que o custo do papel para a imprensa seja o mesmo para todos os compradores. O projeto também inclui a proibição de jornais de terem mais do que 10% da participação em empresas produtoras de papel-jornal, uma exigência que obrigaria o Clarín e o La Nación a ceder o controle da Papel Prensa. O projeto foi enviado para a Câmara dos Deputados no final do ano.
Alguns juristas advertem que esta lei regulando a produção de papel-jornal poderia violar as garantias constitucionais e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, segundo reportagem do La Nación. O artigo 32 da Constituição Argentina estabelece que “o Congresso Federal não deve aprovar leis que restrinjam a liberdade de imprensa ou que a coloquem sob jurisdição federal”, enquanto o artigo 13 da Convenção Americana afirma mais explicitamente que “não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel-jornal”. Apoiadores da iniciativa rejeitam o argumento. “Seu objetivo é assegurar o acesso a preço justo de uma matéria-prima essencial, com supervisão do Congresso, no qual o partido do governo é minoritário, e com a consulta aos jornais interessados”, escreveu o influente jornalista Horacio Verbitsky no diário Página 12 de Buenos Aires, um jornal que apoia as políticas do governo.
The Papel Prensa report came a week after the Kirchner administration decided to cancel the license of the Grupo Clarín-owned Internet service provider, Fibertel. The government said Fibertel’s merger with the company’s cable television unit, Cablevision SA, was illegal. Cablevision vowed to fight the action in court, describing the decision as “totalitarian.”
O relatório sobre a Papel Prensa veio à tona uma semana depois da administração Kirchner ter decidido cancelar a licença do provedor de serviços de Internet Fibertel, de propriedade do Grupo Clarín. O governo alegou que a fusão do Fibertel com a empresa do grupo Cablevision SA , de televisão a cabo, era ilegal. A Cablevision prometeu entrar com ação na justiça, descrevendo a decisão como “totalitária”.
Esses foram apenas os últimos episódios de uma longa disputa entre o governo e o Grupo Clarín, o maior conglomerado de mídia do país. A empresa – proprietária de jornais, emissoras de rádio, canais de televisão aberta e a cabo e serviços de provedores de Internet – tem uma relação atribulada com Kirchner desde o conflito de 2008 sobre os impostos para a agricultura. O governo acusou o Clarín e outras empresas de comunicação privadas de promoverem uma cobertura parcial sobre o tema.
O Clarín tem sido alvo de assédio oficial, de acordo com pesquisa do CPJ. Em setembro de 2009, cerca de 200 fiscais invadiram os escritórios do Clarín após o jornal ter publicado em primeira página que o governo teria concedido de forma inapropriada um subsídio agrícola. O Clarín e outros meios de comunicação atacaram publicamente esta fiscalização como uma tentativa de intimidação governamental. Em agosto, os escritórios do jornal em Rosário sofreram a ação de vândalos. No mesmo mês, pôsteres e grafites atacando o Clarín e seus executivos apareceram em diversas partes de Buenos Aires.
Desde que a disputa se acirrou, dizem os analistas, o governo tomou diversas decisões voltadas claramente a prejudicar os negócios do grupo empresarial. Incluindo a promulgação de uma lei sobre meios de comunicação audiovisuais que o governo considera como uma forma de democratizar o setor, mas que muitos analistas dizem enfraquecer o Grupo Clarín. Os novos regulamentos limitam o número de canais de rádio e televisão que uma companhia pode ter e proíbem as empresas de possuir simultaneamente canais de TV a cabo e aberta, exigências que obrigariam o conglomerado a vender alguns de seus ativos. Enquanto o governo afirma que a lei serviria como forma de controlar os monopólios, proprietários das empresas de comunicação e opositores políticos dizem que esta é uma maneira de o governo exercer maior controle sobre a imprensa.
Recursos interpostos na justiça atrasaram a implementação da lei em 2010. Em outubro, a Suprema Corte manteve a determinação de um tribunal inferior que suspendia a exigência de que as companhias de comunicação se desfizessem de algumas de suas empresas no prazo de um ano. No entanto, a Suprema Corte também afirmou que a determinação não deveria constituir obstáculo para a implementação da lei como um todo. O CPJ está monitorando a implementação da lei para assegurar que os reguladores não sejam influenciados por intervenções políticas.
Em setembro, o assassinato de um jornalista em um bairro pobre de Buenos Aires pegou a imprensa de surpresa; a violência letal contra a imprensa tem sido rara na Argentina. O repórter Adams Ledesma Valenzuela foi esfaqueado até a morte por agressores não identificados, de acordo com reportagens da imprensa. Ledesma, de 46 anos, nascido na Bolívia, repórter do semanário comunitário Mundo Villa e diretor da estação de TV local Mundo Villa, foi encontrado perto da sua casa na Villa 31, um bairro pobre ao norte de Buenos Aires. Sua esposa, Ruth Marlene Torrico, disse ao CPJ que o jornalista deixou a casa por volta das 4h00, provavelmente para consertar um problema elétrico no bairro. Seu marido, que foi encontrado com uma chave de fenda no bolso, era frequentemente chamado para realizar pequenos consertos na vizinhança, disse. Conhecido como ativista comunitário, Ledesma escrevia com freqüência sobre os problemas locais, tais como as péssimas condições sanitárias e ruas esburacadas, disse ao CPJ o editor do Mundo Villa, Joaquín Ramos.
A esposa de Ledesma relatou que tem sido ameaçada após o ataque; uma mulher a advertiu, na cena do crime, que algo similar poderia acontecer a ela e a seus seis filhos caso não fossem embora do bairro. Duas mulheres abordaram sua irmã no dia seguinte e fizeram ameaças semelhantes. As autoridades designaram agentes federais para patrulhar a casa da família. O juiz Mauricio Zamudio emitiu uma ordem de prisão, em outubro, contra um paraguaio identificado somente pelo apelido de “El Pichu”, mas as autoridades ainda não haviam localizado o suspeito até o final do ano. Em uma entrevista ao jornal Perfil, Ledesma havia dito que planejava investigar o caso de celebridades que vinham ao local para comprar drogas.
A súbita morte do ex-presidente Néstor Kirchner, vítima de um ataque cardíaco no dia 26 de outubro, chocou o país. Kirchner, que tinha 60 anos, governou o país de 2003 a 2007, sendo consensualmente reconhecido como um dos principais responsáveis por tirar o país da crise após o colapso econômico de 2001. Quando foi presidente, ele teve uma relação conflituosa com a imprensa. Durante seus três mandatos como governador em Santa Cruz e um mandato como presidente, ele institucionalizou um sistema no qual o Estado recompensava a mídia que apoiava o governo com publicidade oficial, enquanto punia a mídia oposicionista com um embargo publicitário. Em novembro de 2009, durante a administração de sua esposa, o Congresso descriminalizou a difamação em questões de interesse público, um grande avanço para a liberdade de imprensa na região.