Texto Adicional: Elevando o custo da impunidade, em nome de Magnitsky
Sergei Magnitsky, 37 anos, advogado e conselheiro fiscal da Rússia, morreu em novembro de 2009, depois de passar vários meses na prisão Butyrka de Moscou, que é conhecida por suas duras condições. Um relatório independente feito pela Comissão de Supervisão Pública de Moscou, uma ONG russa que monitora os direitos humanos em centros de detenção, concluiu que Magnitsky tinha sido torturado e não teve acesso à atenção médica para tratar de problemas clínicos graves. Antes de sua prisão, em 2008, com base em acusações de fraude, Magnitsky tinha denunciado a existência de corrupção oficial em grande escala.
William Browder, um cofundador e CEO da empresa global de investimentos Hermitage Capital Management, lançou uma intensa campanha por justiça em relação à morte de seu amigo e advogado. O resultado foi A Lei de Responsabilização Sergei Magnitsky para o Estado de Direito de 2012, a qual exige que o governo dos EUA congele os bens e negue vistos a indivíduos associados à morte de Magnitsky. Aqueles que são culpados de “graves violações” contra defensores de direitos humanos e outros denunciantes também estão sujeitos a tais sanções.
A Lei deixou os russos indignados, levando a retaliações como a proibição de adoções de crianças russas por americanos e o estabelecimento de suas próprias proibições de visto para norte-americanos supostamente culpados de abusos dos direitos humanos, incluindo dois comandantes do Campo de Detenção da Baía de Guantánamo. Pessoas que criticam esses atos em ambos os países dizem que eles contribuem para uma nova forma de lista negra, abrindo caminho para que interesses pessoais comandem o devido processo legal em nome dos direitos humanos. Pessoas que apoiam essas medidas – incluindo uma parte da opinião pública russa, de acordo com uma pesquisa de 2012 – as veem como uma forma de fazer com que o poderio russo seja levado a prestar contas.
Mais de duas dezenas de pessoas estão agora na “lista Magnitsky”, incluindo dois acusados de terem ligações com o assassinato do jornalista da Forbes Paul Klebnikov em 2004. Atualmente, A Lei de Responsabilidade Global de Direitos Humanos está sendo analisada pelo Congresso dos EUA. Se aprovada, as mesmas medidas da Lei Magnitsky poderiam ser aplicadas a qualquer país. A pressão está aumentando para a adoção de uma legislação semelhante na Europa.
O CPJ entrevistou Browder, que acredita que esta abordagem pode ser usada para ajudar a elevar o custo da impunidade para aqueles que atacam jornalistas.
Elisabeth Witchel: O que aconteceu quando você começou a fazer perguntas e procurar justiça para a morte de Sergei Magnitsky na Rússia?
William Browder: O governo russo fez de tudo para proteger todas as pessoas envolvidas na tortura e morte de Sergei e nos crimes que ele havia descoberto. Eles exoneraram todos os indivíduos envolvidos e promoveram vários dos principais cúmplices e até deu a alguns deles honras de Estado especiais.
EW: Quando você concluiu que teria que se voltar para fora da Rússia para obter alguma justiça?
WB: Isto se tornou de certa forma óbvio, um ou dois meses depois. Um acontecimento crucial ocorreu cerca de seis semanas depois do assassinato. A Comissão de Supervisão Pública de Moscou concluiu que Sergei tinha sido falsamente preso e torturado sob custódia. Eles produziram um relatório detalhado e o enviaram para o ministro da Justiça e para o ministro do Interior da Rússia. À medida que as semanas passavam, não houve resposta. Havia provas suficientes para julgar, mas não intenção de fazer coisa alguma.
EW: Onde você procurou ajuda primeiro?
WB: Organizações de direitos humanos me aconselharam a procurar o Departamento de Estado [dos Estados Unidos] e a União Europeia. Todo mundo era simpático, mas ninguém estava disposto a tomar qualquer medida – na melhor das hipóteses, eles estavam prontos para fazer declarações.
EW: As sanções da Lei Magnitsky atingem indivíduos responsáveis pela morte de Magnitsky. Como você resolveu adotar esta abordagem? Houve algum precedente?
WB: Nós passamos a buscar algum tipo de justiça que o Ocidente, na verdade, tinha a capacidade de fazer, ou seja, sanções de vistos e congelamento de bens. Isto nunca tinha ocorrido. Os EUA e a Europa sancionaram regimes hostis, como o Irã e Belarus, mas nunca emitiram sanções contra países onde existiam relações normais, como a Rússia.
EW: Qual foi a resposta a essa ideia?
WB: Quando eu propus ao Departamento de Estado [dos EUA], em abril de 2010, eles praticamente riram e me expulsaram de seu escritório. Eles estavam tão ocupados em “restabelecer” as relações com a Rússia que não queriam nada com um cara pedindo sanções no caso do assassinato de seu advogado.
EW: O que mudou?
WB: Eu tive a oportunidade de levar essa questão para o Poder Legislativo [dos EUA]. Eu cheguei até o senador Ben Cardin de Maryland, que era o responsável pelos direitos humanos, por meio de seu trabalho com a Comissão de Helsinque. Ele analisou as provas e, em seguida, postou uma lista de 60 funcionários russos no site dos EUA de Helsinque que ele acreditava que deveriam ser objeto de sanções de vistos. Isso desencadeou uma reação em cadeia, o que acabou levando à Lei Magnitsky.
EW: A quem o ato se aplica?
WB: Em primeiro lugar, ele pune qualquer pessoa envolvida na detenção ilegal, tortura e morte de Sergei Magnitsky. Isto iluminou o céu de Moscou. Depois que a lei foi publicada, muitas outras vítimas se apresentaram. Depois de muitas dessas denúncias, Cardin adicionou 65 palavras ao projeto de lei para incluir todos os outros violadores dos direitos humanos na Rússia à legislação.
EW: Qual tem sido o impacto até agora?
WB: Agora existem 30 pessoas na lista, e eu suspeito que muitos mais serão adicionados no futuro. Não há lei federal em vigor que permita penalizar os infratores russos dos direitos humanos. Há também uma Lei Magnitsky mundial em tramitação no Congresso que iria estender seus efeitos em outros países. Eu acredito que isso vai se tornar a nova tecnologia para lidar com as violações dos direitos humanos. Estamos vivendo em um mundo diferente do que, digamos, há 30 anos, quando o Khmer Vermelho se instalou apenas no Camboja. Agora, violadores dos direitos humanos viajam; bandidos podem manter seu dinheiro em países mais seguros. Tirar a sua capacidade de fazer isso é uma forma de puni-los. Não há nenhuma razão que justifique você ser culpado de crimes contra os direitos humanos em seu país e ser capaz de viver em uma bela casa ao lado do Hyde Park [no centro de Londres].
Uma vez que esta ferramenta comece a ser amplamente implementada, ela pode ser usada de forma a permitir que um Estado mantenha relações diplomáticas com um país, mas, ao mesmo tempo, puna infratores individuais de direitos humanos. Esperamos que isso se torne um fato comum – se os governos rotineiramente começarem a punir os responsáveis por violações dos direitos humanos, os bandidos vão começar a se perguntar se vale a pena.
EW: Críticos da Lei Magnitsky dizem que é um caminho perigoso, uma vez que abre a possibilidade para abusos e pode ser usado para ganho pessoal. É este o caso?
WB: De forma alguma. As sanções não são determinadas por pessoas como eu, mas sim por provas documentais que são revistas pelo Departamento de Estado e do Tesouro. O governo dos EUA não sancionará qualquer uma a menos que eles acreditem que a prova se sustenta em um tribunal. Em nossa experiência, é extremamente difícil alguém entrar na lista de Magnitsky, principalmente porque o processo é muito rigoroso e justo.
EW: Como os defensores de direitos humanos podem usar isso contra a impunidade nos assassinatos de jornalistas? Como eles podem, por exemplo, adicionar um nome?
WB: O governo [dos EUA] acrescenta os nomes, mas a sociedade civil pode ajudar a recolher provas e documentação contra aqueles que cometem essas violações e fazer barulho suficiente para o governo prestar atenção. Estas sanções podem não ser a verdadeira justiça para crimes como tortura e assassinato, mas elas são muito melhores do que a absoluta impunidade, que é o que está acontecendo na maioria dos lugares hoje.