Heroínas pela Liberdade de Imprensa

A noite de 16 de setembro de 2000 já avançava quando o jornalista investigativo ucraniano Georgy Gongadze, de 31 anos, saiu da residência de um colega em Kiev e foi para casa, onde era aguardado pela esposa e as filhas pequenas. Porém, ele nunca chegou lá.

ÍNDICE

Attacks on the Press book cover
Attacks on the Press book cover

“Não consigo lembrar direito dos primeiros dias,” contou há pouco tempo a esposa dele, Myroslava Gongadze. “Eu estava em uma espécie de limbo e não sabia o que fazer.” Dias após o desaparecimento do marido, policiais locais descartaram a motivação política, apesar das fortes críticas que ele fazia ao governo ucraniano. Em meados de novembro, um corpo queimado e decapitado foi identificado como sendo o do jornalista e algumas semanas depois um líder da oposição vazou gravações do que pareciam ser conversas do então presidente Leonid Kuchma com altos funcionários do governo sobre possíveis formas de “lidar” com Gongadze. Foi quando Myroslava Gongadze, advogada de formação, decidiu intervir. Se ela que foi afetada de modo tão pessoal pelo assassinato não assumisse a liderança, ninguém mais iria lutar pela verdade.

Usando seus conhecimentos jurídicos, a rede de contatos que tinha nos meios de comunicação e uma determinação incansável, Gongadze trabalhou com um grupo de jornalistas locais e internacionais, além de organizações de direitos humanos para fazer uma denúncia formal e uma campanha pública em prol do marido. Após quinze anos, quatro ex-dirigentes foram condenados por assassinato e a Corte Europeia de Direitos Humanos considerou o governo ucraniano responsável pela morte do jornalista. Apesar do sucesso, Gongadze diz que esteve prestes a desistir em alguns momentos. “Quis trocar de nome, sumir, mudar de vida, virar outra pessoa. Foi quando percebi que tudo isso era eu.”

Desde que passei a trabalhar no Comitê para a Proteção dos Jornalistas em 2005, conheci e trabalhei com várias mulheres do mundo inteiro que, como Myroslava Gongadze, viraram figuras proeminentes em campanhas pela liberdade de imprensa. Elas são mães, esposas, filhas, irmãs, namoradas e colegas de jornalistas que desapareceram, são mantidos como reféns, feridos, presos ou assassinados. Embora elas tenham colegas do sexo masculino, a maioria dessas militantes espontâneas que encontrei são mulheres. Elas vêm de países diferentes e têm origens variadas, embora suas batalhas estejam fortemente baseadas em histórias pessoais. Apesar disso, elas têm o mesmo compromisso inabalável com a verdade e a justiça que transcende estas experiências particulares.

A raiz desse comprometimento estaria no gênero? A frequência de casos como os de Gongadze parecia indicar isso, mas ao falar com ela e outras que travaram lutas similares, o gênero não aparenta ter um papel previsível. As mulheres reconhecem a existência de um padrão, mas levantam contradições em suas análises do que as levou a tomar a frente de campanhas em alguns dos ataques mais visíveis a jornalistas em termos mundiais.

Em novembro de 2015 eu entrevistei quatro mulheres cujas vidas foram fundamentalmente transformadas por um evento devastador que, em alguns dias (horas, em um dos casos) fizeram com que elas se transformassem de esposa, mãe ou amiga em combatente. Meu objetivo ao entrevistá-las foi dissecar histórias e estratégias de batalha a fim de entender o papel do gênero em tudo isso. Falei com Gongadze; com Sandhya Eknelygoda, esposa do cartunista político Cingapuriano desaparecido Prageeth Eknelygoda; com Diane Foley, mãe do jornalista freelancer norte-americano James Foley, que foi feito refém e brutalmente assassinado na Síria; e com Soleyana S. Gebremichael, fundadora do coletivo de blogueiros etíopes Zone 9 [Zona 9, em tradução livre], que teve vários integrantes presos por mais de um ano.

Das quatro, apenas Eknelygoda disse que o gênero foi fundamental para a sua luta. As outras narrativas não foram tão claras em relação a isso. Tanto Foley quanto Soleyana (que, como muitos etíopes, usa apenas o primeiro nome) disseram que o gênero não é o principal fator no tipo de batalha travado por elas, e sim o temperamento e o comprometimento. Foley chegou a alegar que o filho “é o herói. Jim é quem me faz ir adiante,” acrescentando que desenvolveu essa paixão pela justiça graças a ele.

Para Gongadze, não é o gênero das combatentes que está em jogo, e sim o gênero das pessoas por quem elas estão lutando. “Acho que são basicamente os jornalistas homens que correm perigo,” disse ela. Os números coletados pelo CPJ sobre assassinatos de jornalistas confirmam isso: dos 1.175 jornalistas mortos desde que o CPJ começou a registrar esses casos em 1992, 93 por cento eram homens. “Então quem sobra para lutar por eles?” perguntou Gongadze, respondendo quase imediatamente: “As mulheres a quem estavam ligados.”

Quando Prageeth Eknelygoda, crítico feroz do governo do ex-presidente cingalês Mahinda Rajapaksa, não voltou para casa em 24 de janeiro de 2010, poucos dias antes da eleição presidencial do país, Sandhya Eknelygoda correu para a delegacia mais próxima para registrar o desaparecimento. Os policiais riram dela, dizendo que ele provavelmente estava com outra mulher ou tinha forjado o próprio desaparecimento, disse Eknelygoda, mas ela perseverou. Naquele mesmo mês, ela se encontrou com o superintendente sênior da polícia e, quando ele também não levou sua preocupação a sério, ela fez uma queixa à Comissão de Direitos Humanos do Sri Lanka. Diante do silêncio, Eknelygoda começou a escrever cartas a altos funcionários do governo. Ao ver que não recebia respostas, entrou com um pedido de habeas corpus solicitando o paradeiro ou o corpo de Prageeth. E quando esta tentativa também não deu certo, Eknelygoda recorreu à comunidade internacional e começou uma série de aparições públicas pelo mundo para destacar o caso do marido.

À esquerda, Diane Foley, mãe do fotojornalista James Foley, assassinado por militantes do Estado Islâmico em 2014, e Debra Tice, mãe do jornalista freelancer Austin Tice, desaparecido desde que foi capturado na Síria em 2012, participam de um fórum no Newseum, realizado no dia 4 de fevereiro de 2015 em Washington. (AP/Molly Riley)
À esquerda, Diane Foley, mãe do fotojornalista James Foley, assassinado por militantes do Estado Islâmico em 2014, e Debra Tice, mãe do jornalista freelancer Austin Tice, desaparecido desde que foi capturado na Síria em 2012, participam de um fórum no Newseum, realizado no dia 4 de fevereiro de 2015 em Washington. (AP/Molly Riley)

Em janeiro de 2015, o Sri Lanka antecipou a eleição presidencial e o candidato da oposição, Maithripala Sirisena, surpreendentemente derrotou Rajapaksa, que estava em busca do terceiro mandato. Àquela altura, a jornada de Eknelygoda tinha se transformado em uma missão global pela verdade, não só pelo marido e outros jornalistas, como também pelos milhares de cingaleses desaparecidos de quem ela virou porta-voz. Quase imediatamente após ser eleito, Sirisena prometeu reabrir as investigações sobre os jornalistas desaparecidos e mortos e, quando eu falei com Eknelygoda em 2015, cinco oficiais do exército e dois civis tinham sido presos pela ligação com o desaparecimento de Prageeth Eknelygoda.

Homens armados sequestraram o jornalista freelancer norte-americano Jim Foley na Síria no Dia de Ação de Graças, quando estava a caminho da Turquia. O paradeiro dele não foi descoberto até o dia 19 de agosto de 2014, quando um grupo de militantes do Estado Islâmico publicou um vídeo na internet mostrando a brutal decapitação dele como aviso e represália ao governo de presidente norte-americano Barack Obama. A pedido dos pais de Foley, Diane e John Foley, o desaparecimento não foi divulgado ao público até janeiro de 2013, quando eles lançaram uma grande campanha pela libertação do filho, que transformou Diane Foley em uma voz para os familiares de outros reféns norte-americanos.

Após o brutal assassinato do filho, Foley decidiu que, mesmo arrasada, não desistiria da luta. “Eu não podia deixar alguém tão extraordinário morrer,” explicou ela ao telefone quando voltava de Washington, D.C. para casa após testemunhar diante do Congresso dos Estados Unidos. Nas três semanas após o assassinato do filho, ela preencheu a papelada necessária para criar a James W. Foley Legacy Foundation [Fundação pelo Legado de James W. Foley, em tradução livre] em prol das causas defendidas pelo filho: apoio aos reféns norte-americanos, mais direitos para os jornalistas freelancers e mais educação para os jovens desfavorecidos.

Até agora, Foley e sua fundação conseguiram importantes mudanças em duas destas três causas. Em fevereiro de 2015, uma coalizão de executivos de empresas de notícias, grupos em prol da liberdade de imprensa e jornalistas, incluindo o CPJ, concordaram em definir princípios mundiais para a segurança dos freelancers. Até esta data, os princípios foram assinados por 78 organizações. Quatro meses depois, o governo Obama anunciou mudanças na política norte-americana para reféns. Segundo os meios de comunicação, estas mudanças vão permitir que funcionários do governo entrem em contato para negociar com grupos que mantenham reféns e ajudem famílias norte-americanas que desejem fazer o mesmo. Além disso, uma “célula de fusão” unirá agências para recuperar reféns e coordenará os esforços de modo a libertar os norte-americanos capturados. Embora esteja animada com este progresso, Foley diz que só vai acreditar que houve mudanças reais quando um refém norte-americano voltar para casa.

* * *

Autoridades etíopes em Addis Abeba capturaram seis jovens blogueiros que faziam parte de um coletivo independente conhecido como Zone 9. Naquele dia, Soleyana, uma das fundadoras do grupo, estava fora do país. De Nairóbi, Quênia, Soleyana manteve-se informada sobre os eventos do dia em tempo real através do amigo e colega Zelalem Kibret até ele também ser detido. Naquela noite, após ter falado com as famílias de todos os amigos ao telefone, Soleyana trabalhou em um comunicado à imprensa com Endalk Chala, cofundador do Zone 9 que também estava no exterior, pedindo ao governo para libertar os colegas presos, contou ela de sua nova casa em Maryland. Segundo Soleyana, logo em seguida eles lançaram uma imensa campanha nas redes sociais com a hashtag #FreeZone9Bloggers [#LibertemOsBlogueirosdoZone9].

Em julho de 2015, mais de um ano após as prisões dos integrantes do Zone 9 e semanas antes do presidente Obama visitar a Etiópia, autoridades etíopes libertaram dois blogueiros do grupo. Três meses depois, libertaram os outros. Em novembro, o CPJ deu ao Zone 9 um Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa.

Soleyana e as outras mulheres que entrevistei tinham um objetivo claro desde o início, mas disseram que as estratégias de campanha foram criadas na hora. Na semana após o desaparecimento do marido, sem qualquer ação ou resposta clara das autoridades locais, amigos convenceram a então desorientada Myroslava Gongadze a dar uma entrevista coletiva. Acompanhada pelos filhos gêmeos de quatro anos de idade, Gongadze disse aos jornalistas que o marido não tinha voltado para casa e conclamou as pessoas a agirem. “Disse que eles precisavam me ajudar, que a comunidade jornalística precisava me ajudar. Falei que hoje foi ele, amanhã serão vocês,” relembra ela. “Mas não houve qualquer estratégia real até eu perceber que não haveria justiça na Ucrânia. Foi quando eu defini uma estratégia e pedi uma investigação especial com o apoio [da Federação Internacional de Jornalistas e da Repórteres Sem Fronteiras] e do CPJ. Fizemos relatórios sobre o progresso da investigação e analisamos as possibilidades de obter justiça no âmbito internacional.” Gongadze acabou entrando com um processo na filial francesa da Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo, alegando que o governo não protegeu seu marido e nem investigou adequadamente o assassinato dele. Em 2005, a corte responsabilizou o governo ucraniano pela morte de Georgy Gongadze e deu à esposa uma indenização no valor de 100.000 euros, cerca de 118.000 dólares [aproximadamente 435.000 reais] na época.

A atenção da mídia, seja intencional ou não, boa ou ruim, também teve um papel fundamental nessas campanhas. Carismáticas a sua moda, cada mulher encontrou e fomentou uma relação intrincada com os meios de comunicação. Para Gongadze e Eknelygoda, os colegas do marido foram cruciais. Segundo elas, os jornalistas locais foram alguns de seus aliados mais próximos, enquanto a mídia local e internacional ajudou não só a divulgar o clamor por justiça, como destacou o trabalho delas de modo contínuo.

“Há muitos simpatizantes do meu trabalho nos meios de comunicação e claro que há outros que não cooperam,” explicou Eknelygoda via Skype de sua cozinha em Colombo, Sri Lanka, com o filho adolescente atuando como tradutor. “Mas tenho muitos amigos nos meios de comunicação que me entendem e divulgam o caso de Prageeth. Há muito apoio a mim como pessoa e à causa pela qual estou lutando. Também há conforto e satisfação ao saber que os meios de comunicação continuam apoiando a luta. É muito importante expor este caso na mídia.”

O caso de Soleyana é um pouco diferente dos outros na abordagem em relação à mídia. Na maioria dos 18 meses que os seis amigos dela passaram na prisão, Soleyana trabalhou com mais dois blogueiros – Endalk, que mora nos EUA, e Jomanex Kasaye, que conseguiu fugir da Etiópia e se estabeleceu na Suécia – e divulgou o caso basicamente nas redes sociais. “Nossa estratégia foi destacar os jornalistas como seres humanos: familiares, amigos, etc., não como políticos”, contou ela. “Queríamos mostrar o lado humano e usamos as redes sociais para contar suas histórias de modo que outros jovens do país pudessem se identificar com eles.” De acordo com Soleyana, o objetivo final da campanha nas redes sociais era manter a comunidade internacional e o público etíope informados e envolvidos na luta pela libertação dos blogueiros.

Embora Soleyana diga que a responsabilidade pela campanha e também pelo blog que levou às prisões foi dividida com Endalk e Jomanex, Endalk disse que o carisma de Soleyana ajudou a deixar os argumentos em prol da libertação dos colegas tanto convincentes quanto agradáveis. “Ela adora mobilizar todo mundo, seja dentro ou fora da internet,” descreve Endalk. Como parte da estratégia, Soleyana também destacou o caso do Zone 9 em reuniões com grupos internacionais e dignitários, como Obama e o Secretário de Estado norte-americano John Kerry.

Na visão de Endalk, Soleyana foi a força que levou o grupo adiante. “O gênero é muito importante e acho que está diretamente relacionado ao papel dela no blog e na campanha,” analisa ele. “Antes mesmo de começarmos isso, antes das prisões, Soli já era muito boa em organizar tudo e teve um papel de liderança muito importante na formação do grupo. Ela é muito exigente, tem padrões altos e está sempre pedindo para produzirmos algo. Mesmo quando lembramos que é um trabalho voluntário, ela continua insistindo. E continuou agindo dessa forma após as prisões.”

Apesar do apoio estratégico externo cada vez maior, que Gongadze, Eknelygoda e Soleyana consideram necessário para o sucesso, as campanhas não teriam sobrevivido em longo prazo sem o que só pode ser descrito como devoção religiosa por parte delas. Quando perguntei a Gongadze como ela se referia ao trabalho que vem fazendo, a resposta foi: “Encontrar justiça para o Georgy é a minha vida. Eu não tenho um nome para isso.”

Todas as quatro mulheres disseram que foram movidas pela devoção, paixão e fortes sentimentos pessoais, conceitos difíceis de definir, como disse Gongadze. O papel do gênero em tudo isso é igualmente difícil de medir. Foley observou que as mulheres podem ser muito passionais, “mas o mesmo vale para os homens.” Eknelygoda insistiu que as “mulheres se sentem de modo diferente nos relacionamentos. Há uma diferença clara na forma pela qual homens e mulheres pensam nessas situações. Os homens tendem a desistir após algum tempo, mas as mulheres continuam lutando.”

Independente do que moveu estas mulheres, o ativismo teve um preço para todas. Eknelygoda e Soleyana abandonaram o emprego quase imediatamente pera se dedicar em tempo integral às campanhas. Em ambos os casos, esta decisão significou ter que depender muito de apoio financeiro externo. Soleyana disse que precisou se candidatar em organizações internacionais para conseguir doações emergenciais, que administra para pagar os custos de campanha e as necessidades básicas para as famílias dos que foram presos. Eknelygoda recebeu apoio similar, pois financiar uma campanha que durou anos enquanto sustentava a família dificultou ainda mais o caminho para encontrar justiça, disse ela, repetindo Gongadze.

Algumas das maiores dificuldades foram financeiras, confirmou Eknelygoda. Durante uma entrevista em 2012 ela estava visivelmente aflita e contou que amigos e familiares tiveram medo e a abandonaram com os filhos após o desaparecimento do marido. Após ter que largar o emprego administrativo de meio período e sem a renda do marido, ela foi obrigada a recorrer a doações de pessoas físicas e ao apoio emergencial de organizações internacionais, incluindo várias doações do Programa de Assistência ao Jornalista do CPJ. Em 2015, enquanto o acompanhamento da investigação continuava exigindo boa parte do seu tempo, Eknelygoda disse que estava pagando as contas com a renda de uma pequena empresa de bufê que fornece um prato típico com arroz em pequenos eventos, permitindo que ela continue dedicando boa parte do tempo ao ativismo.

Também houve outros obstáculos, segundo ela. Talvez o mais difícil, que abalou Eknelygoda a ponto de fazê-la questionar sua devoção, aconteceu pelas mãos das autoridades locais, que até pouco tempo sistematicamente a ignoraram e não acreditaram em suas denúncias, enchendo a campanha de acusações sem provas. Em 2012, o então procurador-geral Mohan Peiri disse a funcionários das Nações Unidas que Prageeth Eknelygoda estava escondido em um país estrangeiro e a campanha para resolver o desaparecimento dele era uma farsa. Após seis anos, a dor, associada ao isolamento financeiro, político e social continua forte para Eknelygoda.

Histórias como a de Eknelygoda, de degradação por parte das autoridades locais, são comuns. Nos meus 10 anos de trabalho sobre violações da liberdade de imprensa, ouvi diversos relatos semelhantes de desrespeito pelos familiares, vários deles mulheres em busca de apoio ou informações sobre entes queridos. Este grupo inclui Gongadze que, ao recordar o dia em que tentou registrar queixa do desaparecimento do marido, disse que os policiais locais “ficaram rindo de mim e me mandando embora.” Com um sorriso astuto, ela explicou que, para os policiais, o marido a teria trocado por outra mulher.

A decisão tomada por Diane e John Foley de não divulgar o desaparecimento do filho até janeiro de 2013, segundo ela, foi parcialmente baseada no estímulo por parte da administração Obama para que eles mantivessem o silêncio a fim de protegê-lo. “Confiei neles por tempo demais e fracassamos. Fomos enganados,” reclama Diane. Segundo ela, as autoridades não fizeram uma investigação adequada no momento certo sobre o sequestro do filho, não informaram ou deram informações enganosas sobre a situação dele e se recusaram a negociar com os captores, avisando que ela e o marido poderiam ser processados caso pagassem o resgate. “Embora eu não culpe ninguém,” explica ela, “nós realmente deixamos a política atrapalhar o auxílio.”

Apesar da ressalva, Foley sente o governo falhou com seu filho, assim como os meios de comunicação e as organizações dedicadas a proteger jornalistas, incluindo o CPJ. Ela acredita que apesar do apagão inicial da mídia, quem estava atuando em campo poderia ter dado mais apoio à luta pela verdade. “Jim desapareceu e vários jornalistas conheciam as zonas de guerra e a Síria. Eles poderiam ter ajudado porque sabiam mais que o governo, mas eles não telefonaram e nunca ofereceram informações,” reclamou ela. Quando Foley fez seu clamor por responsabilização, estava claro que ela tinha uma sensação profunda de isolamento devido à campanha, bem similar ao sentimento descrito por Eknelygoda.

Além dos problemas pessoais, estas mulheres enfrentaram mais obstáculos consideráveis. O principal deles é que todas sofreram ameaças diretas. Desde que foi a público em busca de informações sobre o paradeiro do marido, em várias ocasiões Eknelygoda recebeu ameaças por telefone de indivíduos não identificados que a acusaram de traição. Foley disse que foi atacada nas redes sociais por pessoas que consideraram suas críticas abertas ao governo norte-americano um ataque ao modo de vida americano. Ambas ficaram abaladas, mas ninguém considerou as ameaças graves. Por outro lado, as ameaças a Gongadze e Soleyana obrigaram os blogueiros a procurar o exílio.

“Comecei a receber ameaças logo de cara,” conta Gongadze. Nos meses após a morte do marido, ela percebeu que todos os seus movimentos estavam sendo rastreados, acrescentando que ele também estava sendo perseguido.

Segundo Gongadze, colegas ligados ao aparato de segurança ucraniano disseram que os telefones dela tinham sido grampeados e avisaram para não falar nada importante. “Foi quando enviei minhas filhas para morar com os meus pais,” contou ela. “Pedi a um amigo para levá-las e ninguém sabia onde elas estavam. Eles sumiram com o meu marido e não queria que as meninas corressem risco porque eu decidi levar o caso a público.”

Depois disso, segundo Gongadze, um político local deu a ela uma suposta gravação do Presidente Kuchma dizendo ao chefe de gabinete para fazer algo a fim de impedir suas ações e do editor do Ukrainska Pravda, veículo onde o marido trabalhava. Na gravação, o homem que seria Kuchma estimulava o outro funcionário a acabar com as atividades de Gongadze, que ele dizia ter virado um problema. Embora Gongadze diga que não sabe como as gravações foram feitas, ela passou a temer pela própria vida e a das filhas. Antes disso, um integrante da oposição já tinha vazado outro conjunto de fitas gravadas secretamente, no qual se ouve Kuchma, que foi presidente da Ucrânia de 1994 a 2005, planejar com outros altos funcionários, incluindo seu chefe de gabinete, várias formas para se livrar de Georgy Gongadze. Em 2011 Kuchma foi acusado por abuso de poder relacionado ao caso Gongadze, embora tenha rejeitado as acusações de ter participado do assassinato do jornalista. Contudo, de acordo com relatos da imprensa, ele não negou que a voz no primeiro conjunto de gravações era dele, embora tenha alegado que as gravações foram adulteradas.

Gongadze e as filhas saíram da Ucrânia e foram para os Estados Unidos, onde receberam asilo político em 2001.

Soleyana também viajou para os EUA, saindo da África Oriental um mês após as prisões de integrantes do Zone 9 ocorridas em abril de 2014. Até então ela tinha continuado em Nairóbi, Quênia, onde moram centenas de etíopes exilados, incluindo vários jornalistas. Temendo serem encontrados pelo governo etíope, Soleyana e Jomanex, que tinham fugido na noite das prisões, decidiram sair da África Oriental.

Logo após Soleyana sair da região, a casa da mãe dela em Addis Abeba foi invadida no que foi descrito por Soleyana como um esforço em vão das autoridades etíopes no sentido de encontrar evidências concretas ligando o Zone 9 a organizações terroristas. Apesar da falta de provas, em julho de 2014 um tribunal etíope acusou Soleyana de terrorismo, mesmo com ela não estando presente. Ela foi inocentada, também in absentia, um ano depois. “Àquela altura,” constatou Soleyana, “ficou claro que eu não iria voltar para casa.”

O exílio autoimposto deu a Gongadze e Soleyana a segurança e a liberdade para continuar seu trabalho. Sair do Sri Lanka por breves períodos e falar publicamente em nível internacional também fortaleceu a campanha de Eknelygoda e, de certa forma, a protegeu. Eknelygoda agora é uma figura internacional vencedora de prêmios e capaz de abrir portas que há seis anos provavelmente continuariam fechadas.

A busca por justiça ficou tão entranhada na vida e na identidade dessas mulheres que mesmo após algum tipo de resolução, elas continuaram a se definir através de suas lutas. Em todos os quatro casos, o comprometimento que de início era pessoal se transformou em uma missão em busca de justiça e de grandes mudanças.

Apesar de tanto a campanha quanto o jeito que ela é percebida terem mudado, Eknelygoda vê seus novos objetivos e funções como uma extensão da missão que definiu quando o marido não voltou para casa. “Quando estava lutando individualmente [por Prageeth], minha primeira decisão foi não deixar um caso de desaparecimento desaparecer,” explica ela. “Agora eu trabalho para representar os que não têm voz usando a minha voz. Este é o motivo pelo qual estou aqui agora.”

Perguntada sobre o possível destino do marido, Eknelygoda disse que tem medo de nunca descobrir a verdade, mas encontra conforto ao saber que a sua luta incansável o mantém vivo de alguma forma. “Independente do que eles digam, independente de qual seja a verdade, ele está vivo para mim. Ele está vivo na minha luta,” conta ela.

María Salazar-Ferro coordena o Programa de Assistência ao Jornalista do CPJ. Ela cobriu a região das Américas para o CPJ por quatro anos, fazendo relatórios sobre jornalistas desaparecidos e exilados, além de escrever sobre a impunidade no assassinato de jornalistas. Ela também representou o CPJ em missões pelo mundo.