Rio de janeiro, 7 de junho de 2022 – As autoridades do estado de São Paulo devem investigar a minuciosamente as ameaças de moradores da capital paulista contra o videorrepórter freelancer Caio Castor e garantir que ele possa continuar a reportar com segurança e sem medo de represálias, disse o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) nesta terça-feira.
Por volta das 18h30 do dia 28 de maio, um grupo de cerca de 15 pessoas se reuniu em frente ao prédio onde Castor mora com sua família na cidade de São Paulo, tentou entrar no prédio e ameaçou “quebrar tudo” em seu apartamento, de acordo com reportagens e com o videorrepórter, que falou com o CPJ em uma entrevista por telefone.
Castor disse ao CPJ que, no início daquela tarde, ele havia filmado três guardas municipais batendo em uma mulher e jogando nela o que parecia ser spray de pimenta, durante uma operação de segurança contra usuários de drogas na rua Helvetia, no centro de São Paulo. Ele compartilhou o vídeo no Instagram e no Twitter, que foi transmitido mais tarde naquele dia pela TV Globo e reproduzido por outros meios de comunicação.
Moradores da vizinhança que apoiaram a ação policial e se irritaram com Castor por documentar e expor o abuso policial enviaram mensagens ameaçadoras através de grupos do bairro no WhatsApp e se reuniram em frente ao edifício onde ele reside para confrontá-lo, de acordo com informações da imprensa e o jornalista, que acrescentou que mensagens ameaçadoras também foram postadas em grupos do bairro no Telegram.
“As autoridades em São Paulo devem investigar pronta e minuciosamente a alarmante escalada de ameaças e assédio contra o videorrepórter Caio Castor e adotar imediatamente todas as medidas necessárias para garantir a segurança dele e de sua família”, disse Carlos Martinez de la Serna, diretor de programas do CPJ, em Nova York. “Os jornalistas desempenham um papel vital na documentação e denúncia de possíveis brutalidades policiais e violações de direitos humanos, e precisam poder fazê-lo sem correr riscos de represálias por parte das forças de segurança ou de qualquer outra pessoa”.
Castor disse ao CPJ que o grupo estava tocando o interfone e quando ele o atendeu, um homem gritou: “Seu canalha, a gente vai subir aí, vai invadir seu apartamento, vamos quebrar tudo”. Um amigo de Castor chamou a polícia civil do estado de São Paulo, contou o jornalista, e o grupo se dispersou quando um carro patrulha chegou pouco depois das 19 horas.
Desde 11 de maio, a guarda municipal da cidade de São Paulo e as forças policiais do estado de São Paulo vêm realizando operações frequentes que têm como alvo centenas de usuários de drogas na área conhecida como “cracolândia”, no centro de São Paulo, forçando os grupos a se deslocarem e mudarem para outras áreas, de acordo com várias reportagens veiculadas.
Castor disse que, nas horas que se seguiram após ter postado o vídeo na Instagram, por volta das duas da tarde, membros dos grupos de moradores no WhatsApp e no Telegram começaram a postar mensagens intimidadoras e ameaçadoras. Os membros dos grupos também compartilharam seu nome e endereço.
De acordo com as capturas de tela conferidas pelo CPJ, as mensagens incluíam ameaças como, “[Eu tenho] vontade de dar uma surra nesse cara”, “torço pra que essa pessoa seja a próxima vítima”. Também o chamaram de “idiota” e “defensores de bandido que filmam a parte que lhes interessa pra prejudicar quem tá trabalhando”, e o acusaram de “trabalhar para o crime organizado”.
Pelo menos duas pessoas enviaram mensagens pelo Instagram avisando-o sobre os membros do grupo do Telegram, de acordo com as capturas de tela que o CPJ revisou. Uma pessoa disse que eles “querem a morte dos usuários e de qualquer pessoa que os ajude, inclusive você. Sabem que você mora na Helvetia, estão com muita raiva”.
“Em poucas horas o discurso raivoso nos grupos escalou rapidamente para a presença física no prédio”, declarou Castor ao CPJ. ” A gente apagou a luz. Eles tocavam o interfone sem parar. Uma hora eu atendi. Quando um deles gritou falando ia subir e quebrar tudo, foi um choque. Eu pensei, ferrou”.
Na noite de 28 de maio, Castor registrou um boletim de ocorrência, que o CPJ revisou.
O videorrepórter disse ao CPJ que ele e sua família deixaram o apartamento na manhã de 29 de maio e não voltaram desde então, temendo por sua segurança.
Castor relatou ao CPJ que, após as operações policiais de 11 de maio, um grupo de usuários de drogas se estabeleceu na rua Helvetia, onde ele reside, e que os moradores locais formaram grupos no WhatsApp e no Telegrama para discutir como responder à situação. De acordo com Castor e com as capturas de tela vistas pelo CPJ, vários moradores expressaram apoio à brutal repressão da polícia aos usuários de drogas e às pessoas em situação de rua. “Eu achei foi pouco”, escreveu uma pessoa no grupo, referindo-se ao incidente que Castor filmou.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo disse em um e-mail que o jornalista “foi orientado quanto ao prazo de seis meses para representação criminal contra os autores”, mas não respondeu às perguntas do CPJ sobre a investigação do incidente nem sobre medidas para proteger Castor e sua família.
O secretário de comunicações da cidade de São Paulo afirmou em um e-mail que a Secretaria Municipal de Segurança Urbana “afastou os agentes flagrados [batendo e usando spray de pimenta] e instaurou sindicância para apurar os fatos”.
Castor tem trabalhado como videorrepórter freelancer, repórter e editor de vídeo por 10 anos, cobrindo direitos humanos, policiamento e questões ambientais para vários meios de comunicação nacionais e internacionais, incluindo El País, A Pública, BBC Brasil, The Intercept Brasil, e Repórter Brasil.