Rio de Janeiro, 16 de julho de 2020 – As autoridades brasileiras precisam abster-se de investigar ou processar o cartunista Renato Aroeira e os jornalistas Ricardo Noblat e Hélio Schwartsman, e não devem ameaçar jornalistas com investigações criminais, afirmou hoje o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).
Em 15 de junho, o ministro da Justiça brasileiro, André Mendonça, publicou uma série de tuítes dizendo que pediria à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal que investigassem Aroeira por publicar uma charge e Noblat por compartilhá-la no Twitter.
Mendonça tuitou que o desenho violava o artigo 26 da Lei de Segurança Nacional, que criminaliza a calúnia e a difamação do presidente e de outros chefes de Estado. Segundo a lei, esses crimes são puníveis com até quatro anos de prisão.
Mais tarde, o Ministério da Justiça tuitou uma confirmação de que o pedido de investigação havia sido feito.
Em 7 de julho, Mendonça tuitou que também estava solicitando à Polícia Federal que investigasse Schwartsman sobre uma coluna que ele escreveu, que o ministro declarou ter violado o artigo 26 da Lei de Segurança Nacional. Mendonça alegou que fez o pedido com base no artigo 31 da lei, que estabelece que a Polícia Federal abrirá investigações criminais a pedido do Ministro da Justiça.
“As autoridades brasileiras devem encerrar quaisquer investigações criminais sobre o cartunista Renato Aroeira e os jornalistas Ricardo Noblat e Hélio Schwartsman, e precisam se abster de investigar membros da imprensa”, disse em Nova York a Coordenadora do Programa para a América Central e do Sul do CPJ, a Natalie Southwick. “O uso da Lei de Segurança Nacional para assediar judicialmente jornalistas é uma estratégia clara para limitar a liberdade de expressão e silenciar uma imprensa crítica.”
Aroeira publica cartuns de sátira política no site de notícias Brasil 247; Noblat cobre notícias políticas nacionais em seu blog diário, na revista Veja; Schwartsman é colunista de opinião e repórter do jornal Folha de S.Paulo.
A investigação sobre Aroeira e Noblat é baseada em uma charge de 14 de junho de Aroeira, que Noblat compartilhou em um tuíte mais tarde naquele dia; o desenho mostra o presidente Jair Bolsonaro transformando uma cruz vermelha médica em uma suástica.
Após a publicação dessa charge, o escritório do Secretário de Comunicações publicou um tuíte acusando Noblat e Aroeira de violar a lei por atribuírem o crime de “nazismo” a Bolsonaro e disse que, a menos que o cartunista e o jornalista pudessem “provar” sua acusação contra o presidente, eles seriam responsabilizados.
Aroeira, cartunista profissional há mais de 50 anos, disse ao CPJ em uma entrevista por telefone que ele soube da investigação criminal quando as pessoas começaram a escrever para ele para expressar solidariedade. Ele falou também que recebeu um número crescente de mensagens ameaçadoras nas mídias sociais nos últimos anos.
Noblat disse ao CPJ por telefone que a Polícia Federal havia solicitado seu testemunho como parte de uma investigação sobre o cartum há algumas semanas.
Em 18 de junho, o partido de oposição Rede Sustentabilidade entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal, argumentando que uma investigação criminal sobre Aroeira e Noblat sobre o cartum era inconstitucional, segundo o site do Supremo Tribunal e informações da imprensa.
Em sua petição, reexaminada pelo CPJ, a parte solicitou ao tribunal que suspendesse a investigação até que pudesse decidir sobre sua constitucionalidade.
Em um comunicado enviado ao CPJ por meio do aplicativo de mensagens, o senador Randolfe Rodrigues, líder do partido, acusou Mendonça de “[agir] como advogado da Presidência e demonstrar total submissão aos desejos autoritários do Presidente da República”.
Em 14 de julho, em um documento enviado ao Supremo Tribunal Federal e examinado pelo CPJ, Mendonça defendeu a investigação criminal, afirmando que o cartum e sua divulgação nas mídias sociais “excederam os limites da liberdade de expressão” e “impactaram negativamente a honra e a imagem do presidente”.
A investigação separada sobre Schwartsman foi motivada pela coluna do jornalista em 7 de julho na Folha de S.Paulo intitulada “Por que torço para que Bolsonaro morra“, publicada depois que o presidente foi diagnosticado com o Coronavírus, afirmou o jornalista ao CPJ por e-mail.
Schwartsman contou que descobriu a investigação por um colega do jornal. Ele disse ao CPJ que acredita que a investigação é uma tentativa de causar mais autocensura entre os jornalistas.
Uma funcionária do gabinete da ministra do Supremo Tribunal Cármen Lúcia, que se identificou como Rose, informou ao CPJ por telefone que não há datas de julgamento agendadas para o caso de constitucionalidade contra a investigação criminal.
Em e-mails ao CPJ, o gabinete de Mendonça, a Polícia Federal e a assessoria de imprensa do Secretário Federal de Comunicações se recusaram a comentar as investigações.
Noblat disse ao CPJ: “Mesmo que eles não consigam nos intimidar, quem fez a charge ou o tweet, a investigação acaba intimidando os outros. Pode funcionar no sentido de meter medo nas pessoas”.