Por Andrew Downie / CPJ Brasil Correspondente
A divulgação de uma conversa privada entre um conhecido jornalista e sua fonte abalou a comunidade jornalística no Brasil e destacou o terreno cada vez mais polarizado e desconfortável no qual os repórteres políticos trabalham.
A conversa entre Reinaldo Azevedo, colunista de direita da Veja, influente revista semanal de notícias do país, e Andrea Neves, irmã de Aécio Neves, senador e ex-candidato presidencial do partido de centro-direita PSDB, foi registrada pela polícia como parte de uma investigação de corrupção. Ocorreu no dia 13 de abril, cinco semanas antes de Andrea Neves ter sido presa como parte da Operação Lava-Jato, um escândalo de corrupção de vários bilhões de dólares que abocanhou muitos dos principais negócios do Brasil e a maioria de seus principais políticos.
O BuzzFeed Brasil publicou a conversa na semana passada depois de ter sido incluída em um pacote que o jornal Folha de S.Paulo disse conter mais de 2.200 conversas divulgadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Azevedo não está sob investigação e a transcrição não parece conter informações relevantes para o inquérito, levando muitos jornalistas a dizer que acreditam que foi liberada apenas para prejudicar o articulista, que se tornou mais crítico à investigação nos últimos meses.
Um porta-voz do Superior Tribunal Federal disse ao CPJ que não comentaria até que uma investigação, solicitada por Azevedo, seja concluída. O jornalista não havia respondido ao pedido de comentário feito pelo CPJ
O caso causou frisson nas redações em todo o Brasil e os repórteres deixaram suas divisões para se unirem contra o que eles veem como uma ameaça real.
“Frequentemente, se não sempre, consideramos repugnantes os pontos de vista de [Azevedo]”, disse um artigo de coautoria de Glenn Greenwald em The Intercept. “É difícil superestimar o extremismo em suas posições conservadoras. Dispensável é dizer que nada disso importa agora. Discordar das posições de um colunista não justifica a publicação de seus telefonemas privados por parte de investigadores do governo “.
Azevedo, que nas conversas com Neves pareceu chamar a reportagem crítica de sua própria revista sobre o partido de seu irmão de “nojenta”, demitiu-se horas depois que os detalhes da conversa surgiram.
Em um artigo de despedida intitulado “Meu último post para Veja“, Azevedo disse que a revelação de sua conversa “caracterizou um Estado policial” e chamou de “uma agressão contra uma das garantias da profissão… o sigilo de uma conversa entre um jornalista e sua fonte “.
Em uma resposta ao BuzzFeed, que publicou on-line, Azevedo assinalou uma série de pontos, incluindo:
• Não estou sendo investigado.
• A transcrição de uma conversa privada entre um jornalista e sua fonte não tem relação com o objeto da investigação.
• Tornar esse tipo de conversa pública é simplesmente uma maneira de intimidar jornalistas.
O direito dos jornalistas de ter conversas privadas está consagrado na Constituição do Brasil, com Claudio Lamachia, chefe da Ordem dos Advogados do país, comparando-o, em entrevistas, com o privilégio advogado-cliente exigido entre advogados e seus clientes.
O caso é o de mais alto perfil entre vários incidentes nos últimos anos que os jornalistas e os ativistas da liberdade de expressão dizem que os preocupou.
Em agosto do ano passado, um tribunal de Brasília decidiu que os investigadores poderiam obter os registros telefônicos confidenciais de um jornalista da revista Época. A revista lutou contra a decisão [O CPJ não conseguiu determinar se o seu recurso foi bem-sucedido]. Um tribunal de São Paulo tomou uma decisão similar em 2016 em um caso contra um repórter do jornal Folha de S. Paulo. O jornal disse em dezembro que um juiz revogou o pedido.
E, em 2015, um tribunal ordenou que toda a redação do Diário da Região entregasse seus registros telefônicos para que a polícia pudesse tentar identificar a fonte das histórias de um repórter. O jornal de São Paulo obteve uma liminar e o caso ainda deve ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal, mas o incidente levou a equipe do jornal a rever a maneira como trabalham.
“Tomamos mais precauções agora”, disse o repórter Allan de Abreu ao CPJ. “Encontramos fontes pessoalmente quando podemos evitar falar ao telefone e procuramos formas de comunicação que não sejam traçadas tão facilmente”.
“Todos sentimos que o Estado está jogando mais pesado quando seus interesses estão ameaçados. E essas ações duras contra jornalistas são muito fortes e muito preocupantes”.
Tais incidentes ocorrem em um contexto de crise nacional. A presidente de esquerda, Dilma Rousseff, sofreu impeachment no ano passado e foi substituída por seu oponente e ex-vice-presidente Michel Temer. O próprio Temer foi apanhado em gravações em que aparenta perdoar o pagamento de dinheiro pelo silêncio de um legislador encarcerado [Temer disse que a gravação não era prova de irregularidades].
No vácuo, os investigadores, a polícia e os procuradores gerais cresceram em envergadura, mas há muitos no Brasil que temem que algumas de suas ações – como a divulgação da fita de Azevedo – sejam politicamente motivadas para desacreditar os adversários ou outras figuras influentes.
Dois dos principais candidatos à eleição presidencial do próximo ano também estão ajudando a provocar a repercussão contra uma imprensa.
Nos últimos meses, a mídia brasileira informou que Jair Bolsonaro, um congressista de direita, abusou de jornalistas e opositores que questionam suas declarações, chamando-os de analfabetos e idiotas e desafiando-os a debates individuais. E, Lula, ex-presidente que espera voltar a concorrer pelo Partido dos Trabalhadores, disse que, se eleito, pode tomar medidas para limitar o poder dos jornalistas e até mesmo prender aqueles que ele alegou espalhar mentiras sobre ele.
A atmosfera já carregada piorou com as revelações de Azevedo, com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo afirmando em uma declaração: “A investigação de um crime não pode servir de pretexto para a violação da lei, nem para o pisoteio de direitos fundamentais, como a proteção de fontes garantidas na Constituição”.
“O fato de que esses casos estão aparecendo é preocupante”, disse ao CPJ Vinicius Mota, editor-chefe da Folha de S. Paulo, um dos maiores jornais do Brasil. “Esperamos que as autoridades sejam diligentes para separar o que é o jornalismo profissional e o que lhes interessa”.
[Reportando de São Paulo]