Por Robert Mahoney
Matthieu Aikins provavelmente não passearia pelo Afeganistão novamente da forma que fez seis anos atrás.
“Eu fiz o clássico ‘lançar-se com sua mochila e computador em uma ‘zona de guerra’ como freelancer”, disse o jornalista canadense baseado em Cabul. “Eu assumi alguns riscos bastante imprudentes no começo, sem muita noção do que eu estava fazendo ou contatos com pessoas que poderiam me aconselhar.”
Aikins não só sobreviveu como de fato prosperou, e possui uma série de prêmios por suas reportagens em todo o mundo para comprová-lo.
Essa ousada falta de preparação pode fazer especialistas em segurança no setor da imprensa tremer, mas é a forma pela qual muitos dos jornalistas bem-sucedidos de hoje tiveram sua primeira oportunidade.
Aikins disse que sente empatia por freelancers que se arriscam para avançar suas carreiras, mas reconhece que a segurança é fundamental. Questionado se ele agora faria as coisas de maneira diferente, ele hesitou, então disse: “É difícil responder a essa pergunta, mas, não, eu gostaria de pensar que encontraria formas mais inteligentes de abordar o trabalho”.
Ele agora tem a idade e a experiência ao seu lado, mas para jornalistas em início de carreira, particularmente freelancers, o mundo é hoje ainda mais perigoso.
O espaço neutro no qual jornalistas podem operar como testemunhas independentes, vem encolhendo há algum tempo. As decapitações em 2014, na Síria, dos jornalistas freelances norte-americanos James Foley e Steven Sotloff por militantes pertencentes ao grupo conhecido como Estado Islâmico, ou ISIS, realçaram o perigo. Os jornalistas agora são alvos. Grupos insurgentes não mais utilizam os repórteres para transmitir notícias, mas sim os sequestram para se tornarem notícia.
“A imprensa é um bom alvo se você deseja publicidade, porque ela faz barulho quando se trata dela mesma”, disse Richard Sambrook, presidente do Instituto Internacional de Segurança da Imprensa (INSI) e ex-chefe de captação de notícias para a BBC. “Se você captura um jornalista ou se você assassina um jornalista, você recebe muita atenção.”
Durante os 12 anos de existência do INSI, Sambrook tem observado o perfil de risco para repórteres progredir da segurança física por meio dos perigos do trauma e do estresse, para o sequestro em troca de resgate ou de propaganda.
Grandes organizações da imprensa têm respondido a essa trajetória cada vez mais perigosa por meio do investimento de recursos no treinamento para ambientes hostis e primeiros socorros, conhecido no jargão do setor como “HEFAT”, incluindo o fornecimento de equipamento de segurança para a equipe e a contratação de especialistas em segurança.
Mas a mudança na economia dos negócios midiáticos tem levado órgãos pequenos ou com dificuldades financeiras a diminuir sua presença no exterior e a contar cada vez mais com a cobertura freelancer. A demanda crescente deveria ter elevado a remuneração dos freelancers, mas outros fatores, como os custos em queda da tecnologia e comunicação, têm impulsionado o número de jovens repórteres estrangeiros que se aventuram em campo e mantido os níveis de remuneração relativamente baixos para todos, exceto os freelancers mais estabelecidos. Com o custo adicional da segurança pessoal, como equipamento de proteção, coletes, capacetes e seguro, os freelancers são pegos em uma tempestade perfeita de baixos salários e alto risco.
Dentro de suas fileiras, os freelancers se dividem em diferentes categorias quando se trata de risco.
“Você tem o núcleo de freelancers muito profissionais e responsáveis que trabalham para meios de comunicação estabelecidos e construíram suas habilidades e reputação ao longo de muitos anos”, disse John Daniszewski, vice-presidente e editor-gerente sênior de notícias internacionais da Associated Press, que contrata freelancers em todo o mundo. “Então você tem freelancers que estão basicamente começando e esperam construir um nome ou chamar a atenção positiva por meio de um trabalho ousado e, finalmente, você tem jornalistas locais que podem estar trabalhando para uma organização de imprensa pequena em seu próprio país e vendendo material para organizações de imprensa internacionais.”
Louisa Loveluck, uma freelancer britânica no Cairo, de 25 anos, está no grupo do meio. Ela tem a sorte de receber, em média, mil dólares por mês a partir de uma variedade de pautas sucessivas e, com esse valor, precisa pagar um tradutor e o aluguel.
“O mais difícil de ser freelancer é o constante desgaste mental de se preocupar com o dinheiro”, disse Loveluck, “e o fato de não saber se alguém te dará apoio se algo der errado”.
A questão se apresentou a Loveluck quando ela foi atacada e ameaçada enquanto cobria o tumulto de 2013, no Cairo. Um amigo em situação semelhante que fazia parte da equipe de um órgão de imprensa foi retirado do país. Loveluck não tinha dinheiro para evacuar e teve de ficar. “Remuneração e segurança estão ligadas”, ela disse.
Loveluck disse que já trabalhou para uma publicação que evitava qualquer discussão sobre seu dever de cuidar dos freelancers e não tinha planos em vigor para lidar com uma emergência. “A única conversa sobre segurança que acontecia antes de uma pauta era ‘Tome cuidado’ ou ‘Mantenha-se segura’ no fim de um e-mail”, contou.
Muitas publicações pagam meros 25 centavos de dólar por palavra, o que mal cobre os custos de reportagem de histórias complexas e perigosas.
“Há uma enorme discrepância entre o nível de esforço envolvido em escrever uma matéria jornalística e o quanto em dinheiro você recebe por isso”, disse outro freelancer sediado no Cairo, Tom Dale.
Dale, que foi para a Líbia sem garantia de lucros [on spec] – de forma especulativa, sem a certeza de que sua reportagem encontraria um órgão de imprensa para publicação – para cobrir o conflito no local, disse que o faria novamente. “Isso inevitavelmente vai acontecer, na medida em que a competição por empregos no jornalismo é o que é”, disse ele sobre jovens repórteres que se arriscam para construir um nome. “Empregos são tão escassos e há tão poucas rotas de entrada na profissão que as pessoas farão tais escolhas. Sei de pessoas que conseguiram bons empregos depois [da Líbia]. Não é como se vários freelancers dissessem para si mesmos: ‘Eu quero continuar a ser freelancer quando tiver 40 anos'”.
Diante do cenário de baixa remuneração e perigo crescente, freelancers – principalmente aqueles que trabalham para a imprensa no mundo desenvolvido – começaram a se organizar fora dos grupos de desenvolvimento de mídia tradicionais e das instituições de caridade que já ajudam freelancers. Entre tais organizações está o Frontline Freelance Register, em Londres, cujos membros se comprometem a manter padrões jornalísticos profissionais, a participar de um curso em HEFAT, a comprar um seguro apropriado e a seguir protocolos básicos de segurança antes de ir para uma zona de conflito.
“Nós nos reunimos e tentamos descobrir o que faria a diferença”, disse Vaughan Smith, cinegrafista freelance veterano e fundador do Frontline Club de Londres (um espaço físico para jornalistas internacionais; o Frontline Freelance Register é um grupo organizado sob os auspícios do clube). “Nossa frustração é que havia organizações apoiando freelancers… mas elas não tinham mandato para nos representar, então pensamos em fazer algo que nunca foi feito antes e construir um corpo representativo para freelancers em áreas de conflito.”
O Frontline Freelance Register tem mais de 400 membros e pretende envolver-se com as empresas da mídia para melhorar a remuneração e as condições dos freelancers.
“A solução para a segurança dos freelancers é que nos paguem melhor para que possamos arcar com nosso próprio seguro e nosso próprio equipamento de segurança – e estamos muito longe disso, mas gostaríamos de avançar em direção a isso”, disse Smith. “Nós acreditamos que se os freelances demonstrarem aos meios de comunicação que somos capazes de nos organizar e de levar nossa segurança a sério e coletivamente, aí então esse setor trabalhará conosco e o jornalismo irá se beneficiar enormemente, quando se considera até que ponto o setor se tornou dependente de conteúdo freelance.”
Como a própria comunidade freelancer, a indústria dos meios de comunicação não é monolítica na sua abordagem no tema da segurança. Algumas emissoras e agências de notícias tratam os freelancers internacionais e correspondentes temporários [stringers] locais nas zonas de conflito tal como fazem com sua própria equipe, fornecendo equipamento de segurança e apoio; empresas com pouco dinheiro muitas vezes pagam apenas pelas reportagens enviadas pelos repórteres, o que tende a ser oferecido on speculation.
O santo graal para os jornalistas independentes é uma pauta ou um adiantamento de um dos grandes meios de comunicação que cobrem notícias internacionais. Uma vez que tais empresas tiveram repórteres mortos ou sequestrados ao longo das últimas duas décadas, elas tendem a levar a sério o tema da segurança e tratam os freelancers da mesma forma que sua equipe de tempo integral.
Esse é o caso da Reuters, disse seu editor-chefe, Stephen Adler. Segundo ele, a agência fornece treinamento, equipamento de segurança e cobertura médica a todos os repórteres que cobrem conflitos e reorganizou as estruturas editoriais para garantir a segurança. A Reuters não envia um freelancer para um local ao qual não enviaria um membro de sua equipe, ainda que considere aceitar material de um freelancer que já estivesse trabalhando lá, disse Adler, membro do conselho de administração do CPJ. “Nós não vamos privar alguém de sua subsistência ou de sua capacidade de trabalhar para nós porque eles, por um acaso, trabalham em um local perigoso”, disse ele. (Alguns jornalistas criticaram a Reuters por depender de jovens fotógrafos, incluindo aqueles filiados a grupos rebeldes, depois que o freelance local Molhem Barakat foi morto num combate em dezembro de 2013.).
Depois que os vídeos de decapitação do ISIS circularam em agosto de 2014, a agência de notícias francesa Agence France-Presse divulgou partes de sua política de segurança. Sua diretora de notícias, Michèle Léridon, publicou um post no blog da agência explicando que a AFP não enviaria jornalistas para áreas controladas pelo ISIS ou por rebeldes sírios.
“O objetivo é dissuadir potenciais jornalistas de assumir riscos tão grandes e dizer a eles: ‘Olha, se você for até lá por conta própria e mesmo que você nos traga de volta um ótimo material, nós não vamos aceitá-lo'”, Léridon disse ao CPJ. Ao manifestar-se publicamente, de acordo com Léridon, ela também “queria dar o recado dentro da AFP, porque é difícil para um editor de imagens, por exemplo, recusar uma boa foto”. Ela acrescentou: “Eu ressalto que nós não aceitamos material estrangeiro, mas continuamos a aceitar notícias e fotos de pessoas que vivem lá, ou seja, de pessoas sírias”.
Da mesma forma, a Associated Press não aceita material de freelancers independentes e trata seus freelancers da mesma maneira que sua equipe quando se trata de segurança, de acordo com o editor de notícias internacionais Daniszewski.
“Eu acho que talvez haja uma desvantagem competitiva de curto prazo em alguns desses casos, mas, senão, a alternativa a estabelecer uma competição acirrada, a não ter regras e a levar as pessoas a assumir riscos irresponsáveis, e ter que ser responsável por elas caso estejam lhe fornecendo material, nós sentimos que, em longo prazo, enquanto uma organização de imprensa responsável, nós precisamos estabelecer e cumprir algumas normas”, disse Daniszewski. “Estamos convictos de que se alguém está lhe fornecendo material, você é moralmente responsável por ele.”/p>
Alguns freelancers experientes, no entanto, acreditam que são eles que melhor podem julgar seu próprio risco e recusam a ideia de que todo material independente deva ser rejeitado.
“Eu trabalho com empresas responsáveis”, disse o freelancer Toby Muse, que já trabalhou na América Latina e no Oriente Médio, entre outros locais de risco. “De fato, eu acho que algumas empresas são cautelosas demais. Eu discordo totalmente da ideia de ‘Nós não vamos comprar nada de freelancers que estiveram na Síria ou em Bagdá’. Acredito que essas medidas que são postas em prática com o objetivo de proteger os freelancers podem, na verdade, acabar por restringir as possibilidades de trabalho deles.”
Segundo Muse, recusar material independente limita a capacidade dos freelancers de reportar notícias cruciais. “Uma forma de trabalhar como freelancer é: uma grande história explode – muitas vezes, em uma parte perigosa do mundo – e eles chegam lá rapidamente; eles podem chegar lá antes que os outros ou talvez já estivessem lá, apenas passando o tempo, e a grande imprensa não estava lá por razões de segurança ou porque seu correspondente estava cobrindo outro tema em outra parte da região”, disse. “Então, quando você corta essa via, eu acho que os freelancers não se beneficiam de forma alguma.”
O objetivo dos empregadores de não incentivar comportamentos de risco e a necessidade de os stringers explorarem sua vantagem competitiva são fundamentais para as discussões sobre um código de ética e as boas práticas em zonas de conflito. Iniciativas lideradas pelo Frontline Freelance Register procuram um compromisso por parte dos freelancers no respeito aos protocolos básicos de segurança e a não trabalhar sem treinamento de segurança e seguro de vida. Idealmente, os meios de comunicação concordariam em não contratar freelancers sem treinamento nem seguro e em remunerar materiais freelance de forma justa e oportuna. Até o momento de escrever este artigo, ainda não havia um acordo em torno de tais diretrizes.
“Todos na comunidade jornalística que lidam com reportagens internacionais e de conflitos deveriam aperfeiçoar sua prática”, disse Philip Balboni, presidente e CEO do GlobalPost, o site de notícias para o qual James Foley, um jornalista freelancer, contribuía. “Nós precisamos apoiar essas novas diretrizes e elas devem ser as mais rígidas possíveis”, disse ele.
Alguns defensores dos protocolos de segurança mais rígidos têm sugerido um sistema de credenciamento de freelancers que vão a zonas de conflito como a Síria. O credenciamento dependeria de comprovação por parte do jornalista de qualificações em HEFAT e seguro. A ideia é controversa entre os freelancers, que a entendem como uma atribuição de poder a uma autoridade arbitrária a decidir quem pode ou não pode investigar notícias.
Sambrook, do Instituto Internacional de Segurança da Imprensa, saúda um código de ética, mas questiona medidas que vão além disso. “É muito difícil colocar em prática um código de conduta ou chegar ao ponto de um credenciamento”, disse ele. “Alguns grupos desejam colocar em prática algum tipo de credenciamento ou padrão profissional e impô-los aos freelances, ou treinamento… É um caminho difícil de percorrer. Onde você transfere a responsabilidade pelo risco, é bastante problemático.”
De acordo com alguns especialistas do setor, se continuar a tendência em direção a uma maior consciência sobre as questões de segurança, o credenciamento pode não ser necessário, pois tanto novos freelancers quanto meios de comunicação nascidos na internet compreendem sua necessidade. Além disso, muitos freelancers da grande imprensa querem se dissociar dos “turistas de guerra” que às vezes aparecem na linha de frente.
“Sem dúvida, existem freelancers pouco profissionais”, disse Smith, do Frontline Freelance Register. “Há pessoas que não receberam amor suficiente quando eram crianças… A guerra atrai determinados tipos, alguns dos quais podem ser os melhores jornalistas; outros estão à procura de algo que eles provavelmente não vão encontrar ali. Eles não têm seriedade e nós não queremos ser associados a eles. Queremos distância deles, porque o setor nunca nos levará a sério, a menos que a gente seja capaz de nos separar deles.”
Os freelancers também estão cientes da necessidade de treinamento e das ofertas de instituições de caridade como a Rory Peck Trust, em Londres, e o Freelance Forum Fund, do Canadá, que ajudaram a pagar pelo treinamento de alguns dos stringers entrevistados para este artigo.
“Nós, com certeza, vimos um aumento no interesse de freelancers por treinamento para ambientes hostis”, observou Frank Smyth, fundador e diretor-executivo da Global Journalist Security, uma empresa de treinamento com sede nos EUA. “Essa é uma tendência que está crescendo. As pessoas começam a entender que esse é um mundo perigoso e que os freelancers estão na linha de frente, então o treinamento é fundamental”, disse Smyth, que também é conselheiro sênior de segurança de jornalistas do CPJ. “A presença do ISIS, do Boko Haram, na Nigéria, e do Al-Shabaab, na Somália, têm despertado a atenção de todos.”
Um dos motivos pelos quais mais repórteres estão recorrendo ao apoio de tais organizações sem fins lucrativos para receber treinamento, é que ele é caro. Um curso padrão de cinco dias em HEFAT custa entre 500 e 700 dólares por dia, além de viagens e acomodações.
Alguns meios de comunicação online com uma abordagem ousada na reportagem de conflitos, como VICE News e BuzzFeed, também estão começando a reconhecer a necessidade de tratar os repórteres que trabalham em zonas de conflito de forma justa, de fornecer treinamento em segurança e de estabelecer protocolos.
“No entanto”, Sambrook, do INSI, alertou, “haverá outra empresas novatas que não têm a mesma experiência e os mesmos recursos, e isso é uma preocupação. Parte da responsabilidade dos grupos de apoio como o nosso é – sem admoestar ou acusar – tentar ajudá-las a entender sobre o que elas precisam refletir quando começarem a realizar coberturas perigosas como essa”.
Smith, do Frontline Freelance Register, de Londres, espera pelo menos convencer os executivos do setor de que é de seu interesse financeiro dar aos freelancers um tratamento melhor.
“Uma relação mais generosa com os freelances ainda continuaria sendo muito rentável e certamente é parte da solução para os problemas que enfrentamos na apuração das notícias”, disse Smith. “Se nós não queremos nos distanciar do mundo, que claramente é o que estamos fazendo, os freelances são um meio. É parte do que é necessário para o desafio que enfrentamos ao noticiar o mundo com modelos de negócios arruinados.”
Robert Mahoney é vice-diretor do CPJ e escreve sobre questões de liberdade de imprensa. Ele trabalhou como correspondente na Ásia, África, Oriente Médio e Europa.