Por Andrew Downie/ Correspondente do CPJ no Brasil
Anderson Araújo tem tanto medo de ser morto pela polícia que fugiu de sua casa e está relutante em falar ao telefone por medo que esteja sendo grampeado.
Araújo é blogueiro e o cérebro por trás do Mídia Periférica, um blog dirigido por jovens jornalistas na cidade nordestina de Salvador que se concentra em notícias de comunidades pobres que raramente são cobertas pela mídia convencional. Ele tem um bom motivo para ter medo.
Depois que escreveu sobre a onda de jovens mortos em tiroteios policiais no mês passado, um policial se aproximou dele com um aviso de arrepiar.
“Melhor segurar os dedos e parar de criticar quem realmente faz a segurança na comunidade, porque pode acabar ficando sem ela (segurança)” disse o oficial, que estava de uniforme, mas sem a etiqueta com o nome, contou o blogueiro.
Araújo recolheu seus pertences e, três dias depois, estava em outro estado.
“Eu estava escrevendo sobre batidas policiais e assassinatos em que todas as vítimas são jovens negros”, o blogueiro de 23 anos disse ao Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) em curtas chamadas por telefone e via mensagem de texto a partir de um local não revelado.
A polícia militar da Bahia disse ao CPJ que não recebeu nenhuma queixa oficial do jornalista e afirmou que está investigando os assassinatos, 13 dos quais ocorreram em um tiroteio com agentes da lei em Salvador, em 6 de fevereiro.
Isso serve de pouco conforto para Araújo, mas pelo menos ele sabe de onde as ameaças estão vindo. Ana Freitas não tem essa vantagem.
Freitas, uma jornalista freelance de 26 anos de idade, foi assediada quase que diariamente desde que escreveu sobre machismo e misoginia nos espaços públicos da Internet brasileira.
O texto de Freitas foi publicado em 2 de fevereiro no Brasil Post, afiliado do Huffington Post do Brasil, e mesmo ela não tendo mencionado qualquer site ou fórum específico, rapidamente se tornou um alvo, disse ao CPJ por telefone.
Usuários anônimos de um fórum sobre o 4chan a assediaram e ameaçaram. Os incidentes, que aconteceram ao longo de vários dias, obrigaram-na a fechar algumas de suas contas de mídia social e a alterar as configurações de outros. Depois que ela erroneamente aceitou um convite para um evento no Facebook, seus algozes incentivaram uns aos outros a ir ao evento e atacá-la, contou Freitas ao CPJ.
Ela cancelou seus planos, mas o abuso continuou e, depois que alguém descobriu o seu endereço e o divulgou, ela disse que recebeu fezes, larvas, brinquedos sexuais, e outras coisas através do correio.
Freitas disse que apresentou uma queixa sobre o assédio em uma das delegacias especiais criados para mulheres, as Delegacias da Mulher, após a polícia em uma delegacia regular a tratar de maneira rude.
Sua situação melhorou depois que um dos principais jornais do Brasil, O Estado de São Paulo, publicou o seu artigo sobre o caso, algo que, ela disse, assustou os usuários do 4chan.
“Eu não estou 100 por cento segura, minha vida gira em torno disso”, disse ela ao CPJ. “Eu não saio sozinha, se não for necessário, não dou nenhuma pista sobre de onde eu sou, não posto fotos. Eu me sinto um pouco mais segura agora, mas estou tentando seguir rotinas diferentes”.
Tal trollagem anônima, no Brasil e em outros países, é cada vez mais vista como um problema que limita a liberdade de expressão para os jornalistas, blogueiros, e até mesmo os comentaristas. As mulheres e as minorias são particularmente vulneráveis, e um exemplo notório é o caso “Gamergate“, em que as críticas feministas que escreveram sobre o sexismo na indústria de jogos foram ameaçadas de estupro e assassinato via mídia social. Recentemente, um grupo de mulheres jornalistas e empresárias projetaram um aplicativo, TrollBusters, para ajudar a localizar e identificar os agressores anônimos.
No Brasil, os jornalistas têm sido alvos de abuso ou pior. Os registros do CPJ mostram que o país é o 11º mais letal para a imprensa, com pelo menos 30 jornalistas mortos diretamente por seu trabalho desde 1992, quase todos alvo de assassinato. O pobre histórico em impunidade no Brasil contribui para a violência e a intimidação, demonstra a pesquisa do CPJ.
Blogueiros independentes nas capitais e cidades do interior que cobrem crime e corrupção estão particularmente em risco, mostra a pesquisa do CPJ. O seu trabalho pode chegar a um público abrangente, mas as grandes empresas de mídia raramente prestam atenção se eles estão sob ataque, apurou o CPJ para o seu relatório Ataques à Imprensa em 2012.
Décio Sá, um blogueiro do estado do Maranhão, que trabalhou para o influente jornal O Estado de Maranhão e paralelamente possuía seu próprio blog, foi morto em abril de 2012. Seu blog cobriu a intersecção entre política e crime organizado. Outra vítima foi Mario Randolfo Marques Lopes, um blogueiro que escreveu sobre a corrupção e dirigia um site local de notícias em Barra do Piraí, uma cidade a cerca de 90 km a noroeste do Rio de Janeiro.
Araújo e Freitas são freelances e sua independência significa que é pouco provável que sua segurança seja uma prioridade para as autoridades. Freitas disse que não sabe se o seu caso está sendo investigado, e Araújo disse que tem zero expectativa de a polícia estar do seu lado.
Eles continuam a trabalhar. E continuam a temer.
[Reportando de São Paulo, Brasil]
Andrew Downie deixou a Escócia há 25 anos para viajar pela América Latina. Desde então, ele viveu no México, Haiti e Brasil e informou a partir de quase todos os países da região. Agora, sediado em São Paulo, seu trabalho apareceu no The New York Times, The Economist, The Guardian, GQ e Esquire, entre muitos outros.