Porto Príncipe, 15 de agosto de 2003 – Oficiais do alto escalão do governo do Presidente Jean-Bertrand Aristide concordaram em informar ao Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) sobre o andamento das investigações judiciais sobre abusos cometidos contra a liberdade de imprensa documentados pelo CPJ.
A decisão foi obtida em um visita de cinco dias ao Haiti de membros de uma delegação do CPJ, que se encontraram com jornalistas da mídia do Estado e particular, bem como com oficiais do governo, para discutir as preocupações quanto à liberdade de imprensa no Haiti.
A violência e as ameaças de violência contra jornalistas levaram a um clima de medo e intimidação, segundo muitos dos jornalistas que conversaram com a delegação do CPJ. O assassinato de dois jornalistas haitianos nos últimos anos, a fuga de dezenas de outros para o exílio, e os contínuos ataques contra os que ainda trabalham no país, fizeram do Haiti um dos lugares mais violentos para trabalhar como jornalistas no hemisfério ocidental, perdendo apenas para a Colômbia, segundo uma pesquisa do CPJ.
Em uma reunião quarta-feira com a delegação do CPJ, o Primeiro Ministro Yvon Neptune concordou em analisar uma lista de casos documentados pelo CPJ e em enviar uma resposta dentro de um mês. No mesmo dia, o Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Calixte Delatour, disse que retornaria ao CPJ dentro de duas semanas sobre o andamento da investigação sobre o assassinato do guarda-costas de Michèle Montas em 25 de dezembro de 2002. O assassinato aconteceu durante o que é amplamente comentado como uma tentativa de assassinato contra a jornalista haitiana, Montas, cujo marido Jean Dominique foi morto a tiros em 2000 na entrada da estação de rádio que os dois operavam juntos em Porto Príncipe. A estação, Rádio Haiti-Inter, está fechada agora, e Montas vive exilada nos EUA.
Ao ser perguntado sobre o caso Jean Dominique em uma reunião com o CPJ na quinta-feira, o presidente Aristide disse: “é hora deles [a família de Jean Dominique] verem justiça”. Embora algumas prisões tenham sido feitas neste caso, a investigação têm sido amplamente criticada e muitos haitianos acreditam que os que mandaram matar Dominique não foram acusados. Sobre o exílio de Montas, Aristide disse, “Ela estava trabalhando e fazendo um bom trabalho. Infelizmente, teve que partir”. O presidente disse que gostaria que Montas voltasse. “Precisamos dela, o Haiti precisa dela”, ele disse.
A delegação do CPJ foi liderada pela diretora executiva Ann Cooper e o coordenador do programa para as Américas, Carlos Lauría. Com eles, estavam três membros da direção do CPJ: Franz Allina; Clarence Page, o colunista do Chicago Tribune, vencedor do prêmio Pulitzer; e Paul Tash, editor e presidente do The St. Petersburg Times, o maior jornal diário da Flórida.
Ao ser perguntado sobre o clima de medo que Montas e outros jornalistas disseram ser responsável por seu exílio, Aristide disse: “Levo a sério o que dizem alguns jornalistas quando dizem que temem por suas vidas”. O presidente questionou a veracidade das denúncias de alguns jornalistas, mas disse que “às vezes, temos que prestar atenção”.
Durante vários dias de investigação, a delegação do CPJ ouviu muitos jornalistas. Muitos se queixaram de que na prática o governo não age para acabar com as pressões e intimidações cometidas pelo governo e seus simpatizantes nas chamadas “organizações populares” do Haiti. As pressões citadas pelos jornalistas vão de ameaças de morte e ataques físicos a inspeções tributárias com motivação política. A impunidade para os abusos contra a liberdade de imprensa – em especial os assassinatos de Jean Dominique e Brignol Lindor, jornalista haitiano morto a machadadas em 2001 – ajudam a fomentar o clima de violência em que os jornalistas trabalham atualmente.
O CPJ preocupa-se especialmente com esses abusos contínuos à luz da declaração do governo nesta semana de que as eleições legislativas acontecem em novembro. Na atual situação profundamente polarizada da política haitiana, a probabilidade de que a violência contra jornalistas continue é alta. Em uma declaração de 2002, o presidente Aristide disse a jornalistas que “farei tudo que estiver ao meu alcance para que os jornalistas possam fazer seu trabalho sem interferência”. O CPJ apela ao presidente e ao seu governo para que honrem essa promessa, e exorta o governo a adotar as seguintes recomendações:
- O governo haitiano é responsável pela segurança de toda a população, incluindo membros da mídia que são freqüentemente ameaçados com violência, atacados fisicamente ou até mesmo assassinados enquanto fazem seu trabalho, ou em represália contra o que eles transmitem ou escrevem. Quando jornalistas não conseguem trabalhar livres de tais ameaças, toda a sociedade sofre a falta de informação e a falta de um discurso aberto sobre questões de interesse público. Nós, portanto, apelamos ao governo do Haiti para que declarem seu firme apoio à liberdade de imprensa e para que atuem com firmeza para garantir a segurança dos jornalistas haitianos, prevenindo atos de agressão e intimidação, e investigando rigorosamente ataques contra jornalistas e trazendo à justiça os responsáveis.
- São particularmente urgentes as investigações sobre os assassinatos de Jean Dominique, morto por pistoleiros há três anos, em 2000, e Brignol Lindor, morto a machadadas em dezembro de 2001. Depois de anos de demoras, uma solicitação vigorosa por parte do governo para investigações imparciais e abrangentes sobre cada um desses assassinatos, e o processo judicial daqueles que mandaram e realizaram os crimes, seriam um claro sinal para a sociedade haitiana – e os jornalistas haitianos – de que tais atos não serão tolerados. Além disso, o governo deve proteger pessoas envolvidas nessas investigações para garantir que serão capazes de chegar à verdade sem sofrer ameaças.
- Outro passo crucial para acabar com a violência e a intimidação contra jornalistas é acabar com a impunidade gozada pelos que continuam atacando jornalistas. Para isso, o CPJ pediu ao governo que abra o diálogo sobre casos pendentes: o CPJ apresentará ao governo uma lista dos casos dos últimos anos em que jornalistas foram atacados ou mortos em virtude de seu trabalho, e pedimos que o governo responda dentro de 30 dias, informando o andamento das investigações em cada caso.
- Além dessas investigações, o governo deve deixar claro para a sociedade haitiana que não tolerará atos de violência e intimidação contra jornalistas. Exortamos veementemente o governo a controlar e desarmar as chamadas “organizações populares” que operam claramente fora da lei, promovendo a violência e atacando cidadãos, inclusive jornalistas.