Nova Iorque, 30 de junho de 2022 – As autoridades angolanas devem abandonar as investigações criminais por difamação e calúnia aos jornalistas Escrivão José, Óscar Constantino e Fernando Caetano e garantir que o jornalismo de investigação não seja criminalizado, disse quinta-feira o Comité para Proteção de Jornalistas (CPJ).
Cada um dos três jornalistas disse ao CPJ que enfrenta processos legais em curso por difamação criminosa e calúnia relativos ao seu trabalho noticioso.
“A onda de casos espúrios de difamação criminal contra jornalistas em Angola mostra que políticos e figuras poderosas são alérgicos ao escrutínio público e estão a tirar partido de leis da era colonial para criminalizar o jornalismo”, disse Angela Quintal, coordenadora do programa do CPJ para a África, em Joanesburgo, África do Sul. “Os procuradores devem parar de favorecer as elites que querem manter os cidadãos no escuro e se recusar a examinar esses casos, de acordo com uma resolução de 2010 da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, instando os Estados membros da União Africana a abolir as leis de calúnia e difamação criminal.”
As condenações por difamação criminal implicam penas de prisão de até 1,5 anos e uma multa fixada por um juiz; as penas por calúnia implicam um ano e uma multa, de acordo com o código penal e Nelson Custódio, advogado local que representa tanto Caetano como Constantino, e que falou com o CPJ através de um aplicativo de mensagens. O CPJ reportou recentemente vários outros casos de difamação criminal contra jornalistas em Angola.
A 6 de junho, agentes do serviço de investigação criminal da polícia da capital, Luanda, enviaram uma citação a José, editor do jornal privado Hora H, e interrogaram-no a 13 de junho em relação a queixas por difamação e calúnia apresentadas por Bento Bento, o primeiro secretário em Luanda do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) que está no poder, de acordo com o noticiado e o jornalista, que falou ao CPJ através de um app de mensagens.
As queixas de Bento resultaram de uma reportagem de 29 de março, feita pelo canal de vídeo online filiado ao Hora H, no qual José cobriu alegações de corrupção envolvendo uma transação de terras por Bento, explicou o jornalista ao CPJ. As autoridades libertaram José após o terem classificado como “arguido”, ou um suspeito formal em processo penal, uma medida necessária para eventualmente ser acusado de um crime ou detido.
José disse ao CPJ que o Hora H havia buscado o comentário de Bento mais de um mês antes de publicar o seu reporte.
“Em vez de fornecer respostas às nossas perguntas, Bento optou por intimidar os jornalistas, usando o seu peso político para nos processar”, disse José, acrescentando que este era o 24º processo de difamação criminal que tinha enfrentado por causa do seu trabalho. Ele afirmou que a maioria desses casos estavam por resolver, e que alguns tinham sido encerrados sem uma acusação formal.
O CPJ telefonou a Bento e contactou-o através da app de mensagens para comentários, mas ele não respondeu.
Separadamente, a 20 de junho, um juiz da província de Kwanza Sul realizou uma audiência de casos de difamação criminal e de calúnia contra Constantino, repórter da Rádio Ecclésia, de propriedade da Igreja Católica, de acordo com informações da imprensa e Constantino, que falou ao CPJ através de um aplicativo de mensagens.
Este caso resultou de queixas apresentadas por Morais António, antigo presidente da comissão eleitoral provincial, devido uma reportagem do jornalista de 2020 sobre a demissão de António em meio de um alegado escândalo sexual, de acordo com essas fontes. Constantino tem sido classificado como arguido nesse caso desde 2021, declarou ao CPJ.
Ele disse que o seu comparecimento em tribunal sobre o caso está agendado para 6 de julho, quando espera saber se foi condenado. O Ministério Público havia solicitado que as acusações contra Constantino fossem retiradas devido à falta de provas, de acordo com um reporte e Custódio.
António disse ao CPJ por telefone que acreditava que Constantino “foi além dos fatos na sua reportagem” e acusou o jornalista de não ter publicado a sua resposta às acusações. Constantino informou ao CPJ que defendia a reportagem a qual, segundo ele, se baseava na carta de demissão de António.
António também apresentou queixas por difamação e calúnia contra Caetano, correspondente da emissora norte-americana Voice of America [Voz da América], financiada pelo Congresso dos EUA, e do website de notícias Club K na província do Kwanza Sul, por uma notícia de 2017 do Club K sobre alegada corrupção na gestão da comissão eleitoral provincial, relatou o jornalista ao CPJ por telefone. Caetano informou ter sido notificado do seu estatuto de arguido no caso em novembro de 2021.
Aquela reportagem de 2017 foi publicada sob outra assinatura, e apresentava uma fotografia que mais tarde foi reutilizada em uma reportagem não relacionada, escrita por Caetano em dezembro de 2019, disse o jornalista ao CPJ. Caetano afirmou não ser o autor da matéria de 2017 e que não teve “nenhuma influência” sobre a escolha da foto no artigo de 2019, acrescentando: “Este é um bom exemplo da facilidade com que os jornalistas podem ser processados em Angola por razão quase nenhuma”.
António disse ao CPJ que Caetano deve provar que não foi o autor da reportagem de 2017, pois a fotografia era a mesma e Caetano era o único repórter do Club K na província.
“Se não é ele, então quem é?” disse António, observando que o artigo de 2017 alegou que ele tinha desviado dinheiro.
Caetano teve a sua primeira audiência nesse processo em março, segundo Custódio. O processo foi adiado e a data para a audiência seguinte não tinha sido fixada até 29 de junho, disse Custódio.
Mário Sacuiema, promotor público de Kwanza Sul, declarou ao CPJ, numa entrevista telefónica, que não podia comentar os casos de Constantino ou Caetano e confirmou que não tinha sido marcada uma data para a próxima audiência de Caetano.