Lisboa, 7 de abril de 2021 – As autoridades da Guiné-Bissau devem abandonar a investigação criminal de difamação contra a emissora privada Rádio Capital FM e dois dos seus jornalistas, e reformar suas leis de difamação, disse hoje o Comité de Proteção dos Jornalistas (CPJ).
Em 9 de fevereiro, o Ministério Público emitiu uma intimação à Rádio Capital FM pedindo que um representante se apresentasse para interrogatório, mas não especificou o motivo, segundo Sumba Nansil, co-apresentador do programa de atualidades “Tira Teimas” na emissora, que falou ao CPJ em entrevista por telefone, e uma cópia da intimação que o CPJ analisou.
O proprietário e diretor da Capital FM, Lassana Cassamá, estava fora do país na altura e Nansil respondeu à intimação em nome da emissora, sendo questionado pelo Ministério Público em 16 de fevereiro, relatou o jornalista. Em 5 de março, o gabinete convocou e interrogou também Sabino Santos, apresentador do programa “Debate Nacional” da emissora, informou Santos ao CPJ por telefone.
Os promotores interpelaram cada um dos jornalistas sobre os comentários que fizeram no ar e em entrevistas na mídia sobre a empresa estatal Eletricidade e Águas da Guiné-Bissau (EAGB), que entrara com uma queixa criminal de difamação contra a emissora contou Nansil.
Nansil e Santos disseram ao CPJ que comentaram publicamente que o contador de eletricidade EAGB da rádio apresentou defeito pouco antes de as instalações da Rádio Capital FM serem invadidas e vandalizadas em 26 de julho de 2020, desativando assim seus sistemas de segurança.
“As autoridades da Guiné-Bissau devem abandonar sua investigação criminal de difamação contra a Rádio Capital FM e seus jornalistas, e permitir que o meio de comunicação noticie livremente”, disse em Nova York a coordenadora do programa para a África do CPJ, Angela Quintal. “O país deve descartar suas leis de difamação criminal obsoletas e garantir que haja soluções civis adequadas para tais questões, de acordo com a tendência em toda a África e no restante do mundo.”
Ao abrigo do artigo 126 do Código Penal da Guiné-Bissau, as condenações por difamação podem resultar em multas e penas de prisão até um ano; de acordo com o artigo 127, se for considerado que o delito foi cometido por um meio de comunicação como um todo, a pena de prisão dos responsáveis pode aumentar para 18 meses. A multa é definida a critério do juiz e pode totalizar vários milhares de dólares, explicou ao CPJ Luis Martins, advogado da Rádio Capital FM, por meio de um aplicativo de mensagens.
Martins disse que ambos os jornalistas foram colocados sob termo de identidade e residência durante o andamento da investigação por difamação. Nansil e Santos são obrigados a notificar as autoridades caso pretendam deixar a capital, Bissau, por mais de cinco dias, segundo Santos e notícias da imprensa.
Em 26 de julho de 2020, homens armados não identificados que usavam uniformes da Guarda Nacional da Guiné-Bissau atacaram as instalações da Rádio Capital FM e destruíram o equipamento de transmissão, conforme o CPJ documentou na época. Bubacar Turé, vice-presidente da Liga de Direitos Humanos na Guiné-Bissau (LDHGB), um grupo local de direitos humanos, disse ao CPJ por telefone que as investigações sobre o ataque do ano passado à estação de rádio não avançaram.
Namir Tavares, porta-voz da EAGB, condenou o ataque à Capital FM e disse ao CPJ por telefone que os jornalistas não deveriam acusar a concessionária de eletricidade sem provas, e que a empresa considerou que sua reputação foi prejudicada pelos comentários culpando a distribuidora de energia.
Tavares contou que ela e um técnico da EAGB falaram com representantes da Rádio Capital FM e explicaram que o medidor de eletricidade da estação não estava a funcionar no momento do ataque porque havia sido adulterado.
Nansil afirmou ao CPJ que a Rádio Capital FM notificou a EAGB de que o contador não estava a funcionar três dias antes do ataque e que nenhum técnico da EAGB foi enviado para consertá-lo até depois de a estação ser atacada.
“A EAGB não quer ser responsabilizada, mas foi a falta de prestação do seu serviço que deixou a estação de rádio vulnerável, e a empresa não deve processar por não querer ouvir a verdade”, disse Nansil.
Martins relatou ao CPJ acreditar que o caso criminal por difamação possuía motivação política e era uma tentativa de assediar a Rádio Capital FM, que é considerada crítica em relação ao governo. Martins disse que forneceu ao promotor público “provas suficientes” de que os comentários de Nansil e Santos feitos durante transmissões eram baseados em fatos e apoiados por evidências.
Turé acrescentou ao CPJ crer que a investigação era uma tentativa do governo de cecear a cobertura de meios de comunicação críticos e que a promotoria agiu de forma surpreendentemente rápida para restringir os movimentos dos jornalistas “por algo tão justo como comentar publicamente que o corte de energia da EAGB antes do ataque era suspeito e conveniente para os agressores. ”
Santos declarou ao CPJ que, “depois de serem vítimas do ataque às instalações da rádio, de assédio e violência que não foram seriamente investigados pelas autoridades, os jornalistas da Capital FM rapidamente se tornaram os suspeitos e culpados”.
Questionado sobre as investigações sobre Santos e Nansil, bem como sobre o ataque do ano passado à Rádio Capital FM, Queba Coma, porta-voz do Ministério Público, disse ao CPJ por meio de aplicativo de mensagens que ambas as investigações se encontram em fase de inquérito e os detalhes não podem ser publicamente divulgados.
Anteriormente, em 18 de março de 2020, Santos e outro comentarista da rádio enfrentaram uma queixa criminal de difamação por um debate sobre um líder político alegadamente ligado a uma tentativa de golpe na Guiné-Bissau, relembrou Santos. O caso foi encerrado dois dias depois da primeira audiência, após um tribunal considerar que, dado o contexto em que as declarações foram feitas, elas não constituíam crime, disse Santos ao CPJ.
Separadamente, em 12 de março de 2020, o jornalista da Rádio Capital FM Adão Ramalho foi espancado e escapou de uma tentativa de sequestro em Bissau e, em junho de 2020, Serifo Camará, editor da emissora, foi atacado e roubado em um atentado que ele acreditava ser uma represália por seu trabalho, como o CPJ documentou na época.